Sobre dar conta e dar-se conta

Todos já passamos por uma situação em que nos planejamos para ir a algum evento, seja ele profissional, social ou de qualquer tipo, e, na hora do planejamento, pensamos que ele seria uma boa ideia. Até o dia chegar, e, quando o dia chega, a última coisa que queremos fazer é ir. Então pensamos diversas coisas, relembramos todos os motivos para ir e por que é importante. No meio desse autoconvencimento, pensamos também em diversos motivos para não ir e eles simplesmente parecem maiores. E tudo faz a ida parecer tão difícil. Mas, mesmo com toda essa angústia e com o cérebro berrando escandalosamente para ficarmos em casa e evitar tudo e todos, nós nos levantamos e vamos.

E foi justamente isso que me ocorreu um tempo atrás. Simplesmente acordei, ainda cansada de não ter descansado o suficiente para um sábado de manhã, e me obriguei a ir num congresso que, até então, eu estava animada para ir e achava importante. Porém, quando chegou o dia, minha cabeça evocou tudo que faz esses eventos serem difíceis. E, para mim, sempre foram. A multidão de pessoas, os barulhos, as luzes, o tempo longo de duração. A ansiedade veio e me atropelou, trouxe junto o cansaço, o desânimo, o medo, a angústia e todas essas emoções desagradáveis.

Eu fui, consegui me motivar a ir mesmo com a ansiedade, e me deparei com o cenário demandante. Mesmo assim,tentei ficar. Busquei observar tudo o que estava acontecendo naquele momento. O ambiente, os sons, as luzes, o que eu estava sentindo, as sensações do corpo, os pensamentos. Busquei também reconhecer tudo o que não estava acontecendo no ambiente externo, que muitas vezes se passa apenas na minha cabeça. Apenas reconhecer, observar, nomear. E sentir. Me permitir sentir o que estava sentindo e permanecer naquele momento.

Buscamos constantemente fazer algo para nos sentirmos de certa forma ou para evitar sentir. Mas os sentimentos, os pensamentos, as sensações, apenas vêm. Eles vêm, ficam o tempo que for e passam. É inevitável. E é assustador! É assustador não ter controle, é assustador ser pego de surpresa, é assustador perceber que essas coisas existem e vêm mesmo que não queiramos. Então deixe que o medo também venha, fique e vá.

Estava me esforçando para dar conta de algo que eu mesma me propus e idealizei como a situação deveria ser e como eu deveria ser. Enquanto também estava remoendo por não dar conta e querer ir embora, evitar tudo aquilo. Em algum momento, eu disse pra mim mesma que precisava dar conta disso e que menos que isso não era o suficiente. Cada pequeno momento se tornava gigantesco enquanto eu precisava manejar todas essas experiências. Precisei achar um canto qualquer e ficar um tempo em silêncio e sozinha. Um bom tempo. Foquei em apenas respirar, dar uma pausa naquele turbilhão todo e tentar explicar pra minha parte auto julgadora que eu já estava fazendo o suficiente e não era terrível eu ir embora. 

Naquele momento, tentando retornar para o momento presente, me propus a apenas me dar conta, apenas reconhecer. Consegui respirar fundo, consegui prestar atenção nos detalhes ao meu redor, consegui dar um passo na direção da aceitação. Consegui ficar, prestar atenção em algumas palestras, conversar brevemente com uma amiga. Consegui apenas estar ali por um bom tempo. E, quando tudo ficou demais, consegui identificar que era a minha hora de ir embora e também aceitar que, naquele dia, aquele era meu limite.

Gostaria de dizer que quando saí do canto onde tinha me escondido eu voltei ao evento tranquila, conversei com as pessoas, vi várias palestras e fiquei até o final. Gostaria de afirmar com certeza que não estava a maior parte do tempo com a cara fechada. Gostaria de dizer que, quando voltei pra casa, não fiquei me remoendo por não ter ficado mais tempo. Mas não foi isso que aconteceu. Foi difícil. Tiveram coisas boas no evento, claro, e consegui apreciá-las, e também tive diversos sentimentos e pensamentos desagradáveis. Consegui ficar por um tempo, aceitar alguns sentimentos, dar um passo em direção ao que considero importante. E outras diversas coisas não consegui.

Talvez um dia eu vá em um evento e nada disso ocorra, ou talvez um dia eu lide bem melhor com tudo isso e possa apenas me dar conta e perceber o mundo e eu mesma sem tanto julgamento. Mas, por enquanto, esse dia não chegou. Continuo indo em direção a isso e reconhecendo todas as outras coisas que existem nesse trajeto. Aprendendo a não esquecer de me dar conta dos momentos, estar realmente neles e seguir em direção ao que é importante para mim, sem precisar dar conta de tudo.

 

Este texto é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Ana Carolina Abitante

 

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Sobre o Autor
Mariana Sanseverino Dillenburg
Mariana Sanseverino Dillenburg - CRP 07/27708 Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS na área da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Possui treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo CEFI. Experiência com atendimen... ver mais

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