Esta sou Eu

Há um tempo, eu assisti o Homem do Show (o título em inglês é The Greatest Showman), um filme estrelado por Hugh Jackman baseado no empresário e showman Phineas Taylor Barnum. Gostei muito desse filme, achei bem sensível e com uma trilha sonora muito bonita. Uma música em especial que me tocou foi This Is Me (Essa Sou Eu) performada por Keala Settle. É difícil para mim falar sobre do que se trata a música, porque acho que ela toca em muitos pontos, então vou trazer aqui trechos que eu gostaria de discutir (e vou deixar o link do clipe no final do texto para quem quiser escutar a música inteira). Sugiro que você leia o trecho da canção primeiro, perceba como você se sente e depois leia a reflexão.

 

“Eu não sou uma estranha para a escuridão

Se esconda, eles dizem

Porque nós não queremos as suas partes quebradas

Eu aprendi a ter vergonha de todas as minhas cicatrizes

Fuja, eles dizem

Ninguém vai amar você da forma como você é”

 

Você já se sentiu rejeitado(a) ou julgado(a) pelos seus problemas, pelo seu passado, pelo lugar de onde você veio? Acho que, em certo grau, a maioria de nós já experimentou uma sensação parecida com essa ao longo da vida. Eu já senti muito que as minhas dores, os meus medos e as minhas dificuldades me faziam uma pessoa mais fraca. Me lembro que era uma sensação muito solitária porque me sentia muito inferior às outras pessoas. Além de tristeza, isso também me gerava vergonha, como se fosse errado ser daquela forma, o que fazia com que eu não compartilhasse isso com outras pessoas. E aí tem uma coisa interessante, nos sentimos muito sozinhos(as) ao mesmo tempo em que a maioria de nós compartilha dessa mesma experiência. Steven Hayes, um dos criadores da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), fala que o que mais une a todos nós, seres humanos, é o fato de que todos nós sofremos. A dor é universal, portanto, a dor conecta a todos nós.

 

“Mas eu não vou deixar eles me transformarem em pó

Eu sei que há um lugar para nós

Pois somos gloriosos”

 

Muitas vezes é difícil se aceitar da forma como se é, talvez mais difícil ainda se amar. Todos temos uma mente julgadora que constantemente nos lembra que não somos bons o suficiente, que precisamos melhorar e as consequências ruins que vão acontecer se não resolvermos todos os nossos problemas. A ACT tem uma vasta literatura que explica que as nossas mentes fazem isso como uma forma de nos proteger. O nosso lado racional utiliza a mesma estratégia que funciona no mundo externo – Se tiver um problema, resolva! – para o nosso mundo interno. No mundo externo, quando quebramos um copo, por exemplo, podemos consertar limpando os cacos e até comprando um novo copo para substituí-lo. No entanto, se aplicamos a mesma lógica ao nosso mundo interno – nossas emoções, sensações e pensamentos – as coisas não funcionam do mesmo jeito. Se estou me sentindo triste, não posso simplesmente substituir essa emoção por felicidade, não funciona assim porque NÃO CONTROLAMOS O QUE SENTIMOS.

E aí voltamos para essa mente julgadora que nos diz que não merecemos o que queremos ou precisamos, às vezes pode ser que esse discurso também parta de outras pessoas. E é muito duro receber esse tipo de crítica. Então o que fazer nesse momento? Se martirizar talvez não ajude porque não vai resolver o problema e só vai aumentar o sofrimento. Mas percebe como é bem para esse lugar que a nossa mente nos leva? De ficar ruminando os pensamentos que eu citei anteriormente, reforçando que não vamos conseguir. Por isso, conectar com um lado mais auto compassivo, ser gentil e amoroso consigo mesmo, pode ser uma estratégia mais efetiva. Marsha Linehan, a criadora da Terapia Comportamental Dialética (DBT), defende que todos merecem ter uma vida que valha a pena ser vivida. Independente de onde você veio, das coisas ruins que aconteceram, das suas cicatrizes, você merece (e PODE) ter uma vida que valha a pena ser vivida.

 

“Quando as palavras mais afiadas querem me derrubar

Vou enviar uma inundação, vou afogá-las

Eu sou corajosa, eu sou machucada

Eu sou quem devo ser, esta sou eu”

 

Como falamos anteriormente, não conseguimos controlar a nossa experiência, nem “desligar” os nossos pensamentos dolorosos. Mas podemos nos abrir para eles, tomá-los como companheiros de viagem e olhar para o que tem de importante par ali. Se conectar com o que você valoriza ou é importante para você pode trazer sentido mesmo nos momentos de muita dor. É sobre não ficar presa nas palavras afiadas dos outros ou da sua própria mente, mas sim, naquilo que é importante para você. Uma experiência não excluí a outra, mas onde você quer investir a sua energia?

Podemos reconhecer também que muitas coisas fazem parte da nossa experiência, mas não somos definidos por nenhuma delas. Eu posso ser corajosa e também medrosa, e também machucada, e também feliz, e também triste. VOCÊ NÃO É A SUA DOR. Ela faz parte de você, mas você é muito mais do que ela. Não se limitar a esses rótulos nos auxilia a sermos livres para direcionar a nossa vida para onde faz mais sentido.

 

“Atenção porque aqui vou eu

E eu estou marchando no meu próprio ritmo

Eu não tenho medo de ser vista

Eu não pedirei desculpas, esta sou eu”

 

Eu gosto muito desse trecho, imagina seguir a sua própria jornada, o seu próprio caminho, aquele que você escolheu, independente do que os outros ou a sua própria mente digam que você deve fazer? Isso me conecta muito com o sentido de liberdade que eu valorizo. E podemos diferenciar esse escolher a própria jornada com isolar-se ou não levar em consideração o que as outras pessoas dizem. Eu posso receber o que as outras pessoas falam e observar o que faz sentido para mim. Também posso escolher nem receber o que os outros falam em determinados momentos se observo que está vindo de um lugar de crítica ou julgamento com as minhas escolhas. Poder escolher a vida que valha a pena ser vivida para mim pode ser o suficiente. Não preciso justificar porque aquilo é importante para os outros ou para a minha mente, ou desculpar-me por ir nessa direção. Eu me notei recentemente dando muitas explicações sobre porque eu fazia determinadas escolhas e não outras para pessoas que não compartilhavam dos mesmos valores que eu e percebi o quanto isso era cansativo e me deixava irritada e com vontade de me afastar dessas relações. A culpa é dos outros? Até certo ponto sim, se as pessoas julgassem menos, essas situações seriam menos frequentes. Mas eu não tenho controle sobre o comportamento das outras pessoas, então esperar que os outros mudem para que eu me sinta melhor é uma bela armadilha para ficar presa no sofrimento. Então o que está nas minhas mãos nessa situação? O que eu posso fazer? DEPENDE, não há uma resposta certa, vai depender do que fizer mais sentido com os meus valores naquela situação. Posso me afastar (mesmo que temporariamente) de relações em que estou me sentido julgada ou cobrada, posso mudar a forma como me relaciono com essa situação (talvez adotando uma postura parecida com a que adoto com a minha mente – notar a crítica e deixar passar, não me grudar a ela), posso comunicar para a outra pessoa o que eu preciso para me sentir melhor naquela relação. Enfim, não há resposta certa, cada um vai encontrar o caminho que fizer mais sentido.

Meu objetivo com o texto de hoje era propor essa reflexão sobre como podemos nos aceitar mais, todo o nosso EU (as partes que gostamos e as que não gostamos, ou até nos envergonhamos) e ir na direção da vida que queremos viver. É um exercício diário e que tenho buscado fazer. Espero que tenha gostado e, se fizer sentido, que possa ajuda-lo(a) nessa jornada de uma vida valiosa.

 

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Sobre o Autor
Mariana Sanseverino Dillenburg
Mariana Sanseverino Dillenburg - CRP 07/27708 Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS na área da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Possui treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo CEFI. Experiência com atendimen... ver mais

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