“Sabe, ultimamente, eu tenho escutado esse som. Aonde quer que eu vá, como um tick tick tick. Como uma bomba relógio em um filme clichê de segunda categoria, ou uma animação de sábado à tarde. O fusível foi aceso. O relógio conta os segundos e a chama se aproxima mais e mais até que de uma vez…” (Miranda, 2021)
tick, tick… BOOM! é um filme de 2021 baseado no musical homônimo semiautobiográfico de Jonathan Larson. Jonathan começa o filme precisando enfrentar a realidade de que seu aniversário de 30 anos está chegando, o que significa que seu tempo para se lançar como artista, de acordo com suas crenças, está acabando. Seu melhor amigo, Michael, está se mudando do apartamento deles, mas Jonathan não quer falar sobre isso. Ele prefere falar sobre o workshop para apresentar o musical que dedicou oito anos para escrever, e que acontecerá nos próximos dias. Suas contas estão atrasadas, ele não tem dinheiro, e ele também não quer falar sobre isso. Ao invés disso, faz uma festa além do valor que pode pagar, porque vale a pena gastar dinheiro se for com as pessoas que ele ama. Sua namorada, Susan, recebeu uma proposta de emprego em outra cidade, e gostaria da opinião dele antes de decidir aceitar ou não. Mais uma vez, ele não quer falar sobre isso. E se dedica a fugir do assunto, comentar de forma superficial e adiar a conversa. Como se isso não fosse suficiente, ainda falta compor a música mais importante do segundo ato do seu musical, aquele mesmo que será apresentado em alguns dias. Ele definitivamente não quer falar sobre isso, não quer ser lembrado disso, porque senão ele terá que entrar em contato com emoções que não quer lidar. Então, ele foca em detalhes, em achar mais músicos para o workshop, em convidar mais produtores, porque isso é muito mais fácil do que lidar com ele mesmo e tudo que está tentando evitar. Paradoxalmente, ele não consegue evitar nada disso, porque todas essas questões ressoam persistentemente em sua cabeça, como um tick, tick, tick insistente que não para de jeito nenhum. Jonathan está preso na armadilha da inflexibilidade psicológica. E, consequentemente, perde de vista o que é realmente importante para ele.
Todas as vezes que assisti tick, tick… Boom!, tive os mesmos pensamentos. Por que Jonathan se esquiva tanto de todas essas coisas que ele não pode controlar? Por que ele não conversa com a namorada e o melhor amigo? Por que fica tão preso no pensamento de que só tem uma chance, e que, depois dos 30, não há mais nada que ele possa fazer para alcançar a vida que vale a pena ser vivida? Hoje, escrevendo esse texto, percebo que, olhando de fora, fica muito mais fácil identificar a fusão do pensamento de que “se está ficando sem tempo”, a esquiva para não reconhecer e enfrentar o medo de não ser bem sucedido na área que ama na idade que gostaria, ou a desconexão com valores ao insistir em algo sendo movido pelo medo e não pelo amor. Talvez, eu mesma tenha sido pega pela armadilha da inflexibilidade psicológica, quando foquei apenas na minha perspectiva de espectadora e estudante de ACT e não considerei outras possibilidades de ponto de vista.
Quantas vezes não fazemos planos para coisas que são importantes para nós e tentamos controlar cada detalhe para evitar a frustração de não termos controle de tudo? Ou quantas vezes nos vemos em uma corrida contra o tempo, sacrificando nossa saúde física e mental, para atendermos expectativas sociais de sucesso? Quantas vezes evitamos conversas, pessoas e situações porque queremos evitar emoções e pensamentos que temos dificuldade de lidar? Todos esses processos fazem parte da nossa existência humana. Afinal, quem nunca tentou fugir do sofrimento? Mesmo assim, muitas vezes não percebemos que esse comportamento de fuga nos causa ainda mais sofrimento a longo prazo. Durante muito tempo no filme, Jonathan não percebeu isso. Se fôssemos nós em seu lugar, em seu contexto, talvez também não percebêssemos. Em diversas situações nas nossas vidas, temos dificuldade de perceber.
Então, se todos passamos por processos parecidos com os de Jonathan, que lição podemos tirar do filme para alcançar a tão desejada vida que vale a pena ser vivida? Para Jonathan, o som de tick, tick, tick desaparece quando ele se reconecta com o que é importante para ele, a começar pela sua amizade com o melhor amigo; aceita a realidade de que ninguém quis produzir o musical que compôs por oito anos; e decide ir em busca da vida que faz sentido para ele ao começar a escrever outros musicais, acreditando que a vida não acabou ali e que seguir tentando está de acordo com seus valores. Para nós, podemos começar refletindo sobre o que tem nos conduzido: nossos medos ou nossos valores? Então, a partir do conselho de Susan para Jonathan na última conversa que tiveram na trama, podemos pegar nossas dúvidas e começar a traçar nosso caminho de agora em diante a partir delas. A vida nem sempre vai ser como gostaríamos ou planejamos, e evitar essa realidade apenas nos prende a ela. Então, que possamos seguir mesmo com medo e dúvidas, abertos para a experiência. E, se em algum momento nos sentirmos perdidos sobre se vale mais a pena fugir ou seguir em frente, podemos retomar a reflexão proposta pela última música de tick, tick, Boom!:
“Jaulas ou asas, qual você prefere? Pergunte aos pássaros. Amor ou medo, meu bem? Não diga a resposta. Ações falam mais do que palavras.” (Miranda, 2021)
Este texto é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Sofia Silva
Referências
Luoma, J. B., Hayes, S. C., & Walser, R. D. (2022). Aprendendo ACT: manual de habilidades de terapia de aceitação e compromisso para terapeitas (2nd ed.). Sinopsys.
Miranda, L. M. (Director). (2021). Tick, Tick… Boom! Netflix.