Recentemente eu fiz e concluí a 38ª Maratona Internacional de Porto Alegre, corri 42 quilômetros e 192 metros até a linha de chegada. Se você ainda não teve a experiência de correr uma maratona, é difícil expressar em palavras essa sensação. Você passa por muitos altos e baixos durante a prova. Tem momentos que eu sinto aquela alegria e conexão com o esporte que amo, a emoção de passar pelas torcidas de pessoas te estimulando e torcendo por você e a sensação incomparável de cruzar a linha de chegada e sentir a conquista de uma prova dessa magnitude concluída. Você fez isso! Mas também tem momentos bem difíceis que aparecem: pensamentos difíceis (“tu não vai conseguir”, “isso não é para ti”, “tu não merece estar aqui”), desconfortos físicos como dores nas pernas, alguma lesão que pode acometer, sensações gastrointestinais desconfortáveis (como refluxo, náusea, dor de barriga), cansaço. O meu treinador costuma falar que esses momentos de baixa são os mais importantes de se manter focado no seu objetivo e continuar, não é sobre tentar não ter os momentos de baixa (porque eles vão acontecer), mas sobre o que fazer quando esses momentos chegarem. Esse ciclo de treinamento para a maratona de Porto Alegre (que durou cerca de 3 meses) foi muito difícil para mim, adoeci algumas vezes, perdi pessoas importantes na minha vida, me lesionei e isso impactou os meus treinos. Eu pensei várias vezes em desistir porque estava muito difícil, então eu pensava: “Para que passar por tudo isso?”.
E aí está uma pergunta muito importante: Para que?
Para que você faz o que você faz? Qual o sentido que tem nisso para você? Exposição sem propósito é apenas tortura. Se vou me expor a uma situação desconfortável, preciso ter um sentido nisso, algo de importante para mim vinculado. Então, voltando à pergunta que eu me fiz durante meu ciclo de treinamento: para que passar por tudo isso? Me veio a resposta: porque eu AMO correr e tudo que envolve a corrida: o estilo de vida, a alimentação, as pessoas que compartilham desse prazer; eu AMO correr porque me conecta com a minha força, com a minha capacidade de superar adversidades e essa super força que eu encontro na corrida, eu consigo transferir para outras áreas da minha vida e também me sentir mais capaz desempenhando em cada uma delas; eu AMO correr e eu amei fazer a minha primeira maratona ano passado, justamente pela sensação de conquista de terminar uma prova muito desafiadora. Eu AMO correr e quero isso na minha vida!
Ao mesmo tempo, como lidar com esses momentos de baixa durante a corrida? Bom, tentar controlar para que eles não surjam não adianta (vai acontecer). Tentar ignorar ou se livrar pode não funcionar também e gerar mais ansiedade porque facilmente entraremos no looping do “não posso ficar ansioso, não posso ficar ansioso”. Portanto, se abrir para essa experiência, achar uma forma de recebê-la e levá-la junto como companheira de viagem pode ser uma alternativa em que conseguimos deixar de lutar contra ela e fazer o que é importante para nós. Cada um pode encontrar a sua forma de praticar essa abertura.
Se você já acompanha meus textos por aqui, deve ter notado que eu amo música. Eu acho que a música me possibilita me conectar emocionalmente de uma forma mais profunda. Quando a música é acompanhada de uma letra com algum significado para mim então, essa conexão é ainda mais forte. Durante os meus treinos de corrida, eu vou escutando mentalmente alguns trechos de músicas que me ajudam para determinadas situações. Nessa maratona, eu fiz uma coletânea mental, quando me sentia mais para baixo me vinha o trecho da canção Amarelo do Emicida: “tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro” e eu pensava “esse ano eu não morro”, eu sou mais forte do que isso. Em outros momentos aparecia Tá Escrito do Grupo Revelação com “É dia de sol, mas o tempo pode fechar, chuva só vem quando tem que molhar” e eu pensava que estava difícil naquele momento, mas ia passar. Também me vinha O Show tem que continuar do Fundo de Quintal com “Mas iremos achar o tom/ Um acorde com lindo som/ E fazer com que fique bom/ Outra vez o nosso cantar/ E a gente vai ser feliz/ Olha nós outra vez no ar/ O show tem que continuar” quando surgiam pedras no meu caminho e eu queria continuar em frente. E quando as coisas não saíam como eu planejei eu pensava na canção Clareou do Xande de Pilares com “Mantenha a fé na crença, se a ciência não curar/ Pois se não tem remédio, então remediado está/ Não é um perdedor/ Quem sabe a dor de uma derrota enfrentar” e isso me ajudava a ser mais amorosa e compreensiva comigo mesma.
Mas o que isso tem a ver com psicologia e com contextuais Mariana? Tem tudo a ver. Na Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) trabalhamos com o processo de aceitação, que pode ser entendido como a nossa abertura para as nossas experiências internas da forma como elas se apresentam para nós, sejam agradáveis ou desconfortáveis, sem se apegar, tentar modificar ou rechaçar essas experiências (Hayes, 2019). Pode parecer fácil lendo, mas difícil de fazer, eu sei! Por isso, temos diferentes formas de trabalhar aceitação. Como eu compartilhei com vocês, pensar em trechos de música durante a corrida me ajuda a receber e olhar para aquela experiência de uma forma que fica menos aversiva para mim. E por que fazer isso? Porque uma postura de maior aceitação nos permite estar em paz com o nosso contexto, sem necessidade de lutar contra o que sentimos. Mas isso só é possível se vemos sentindo naquilo, ou seja, a resposta que damos àquela pergunta “para que?”. Essa pergunta nos conecta com o que é importante para nós, os nossos valores pelo olhar da ACT, e isso dá um propósito para agirmos nessa direção levando todas essas experiências junto. E para você, como você pratica a aceitação das suas experiências?
Lista de canções citadas no texto:
– Amarelo/ Emicida com participação de Majur e Pablo Vitar https://www.youtube.com/watch?v=PTDgP3BDPIU
– Clareou/ Xande de Pilares https://www.youtube.com/watch?v=r6X9RN2G0pU
– O show tem que continuar/ Fundo de Quintal https://www.youtube.com/watch?v=67n2XQ_-c0U
– Tá escrito/ Grupo Revelação https://www.youtube.com/watch?v=09_s_Kh8sls
Referências
Hayes, S. (2019). Saia da sua mente e entre na sua vida: A nova terapia de aceitação e compromisso. Porto Alegre: Sinopsys.