Compreendendo a Terapia Comportamental Dialética por meio de Stranger Things

Alerta: O seguinte texto trata de assuntos sensíveis como suicido. Além disso, contém spoilers da quarta temporada da série Stranger Things.

 

A quarta temporada de Stranger Things começa num clima muito mais sombrio.Os eventos sobrenaturais, elemento central da série, nesta temporada ficam por conta de Vecna o “vilão” que persegue adolescentes que têm como algo em comum serem transpassados por alguma  história envolvendo culpa e trauma. Quando os adolescentes começam a ser seguidos por Vecna, eles passam a apresentar um conjuntos de sintomas como ter visões sobre o episódio traumático que vivenciaram ou com um relógio antigo que toca quatro badaladas, apresentam dor de cabeça e sangramento nasal. Enquanto alguns tentam lidar com esses sintomas agindo como se estivessem “bem”, outros se afastam de seus amigos e familiares. No momento em que Vecna consegue estabelecer uma conexão na mente destes adolescentes, eles se vêm num cenário repleto de desesperança, confrontados por seus medos e traumas mais profundos, e o vilão utiliza dessa imersão para gerar uma conexão entre os dois mundos que é concretizada na morte de suas vítimas que estão tão agoniadas pelas visões que estão constantemente tendo que chegam a desejar o fim da sua própria vida. 

Se tirarmos o lado sobrenatural da história, é possível estabelecer conexões entre “a maldição de Vecna” com a depressão e o comportamento suicida na adolescência. Este último, é um comportamento complexo, multicausal, mas que costuma estar associado com experiências de culpa, estresse e desesperança exatamente emoções experienciadas pelos personagens da série. 

Em Stranger Things, a personagem Max Mayfield, após a morte de Billy, seu meio irmão, em um episódio trágico da trama, começa a ser perseguida por Vecna que se utiliza do trauma da personagem para estabelecer uma conexão com ela. Quando Max e seus amigos descobrem sobre a maldição de Vecna, a personagem passa a escrever cartas de despedida para as pessoas que são importantes para ela, mas das quais havia se afastado, outro comportamento comum em casos de suicídio, sendo uma delas direcionada a Billy. No cemitério, ela lê a carta para o túmulo dele, Max revela o quanto se sente culpada por sua morte e sente que merecia ter o mesmo destino dele. Neste momento de extrema vulnerabilidade da personagem, Vecna faz o que seria o seu ataque final, prendendo a consciência de Max no mundo invertido e iniciando o seu ritual de morte. Num primeiro momento, a garota parece resignada com o seu desfecho, momento em que seus amigos ligam o seu headphone com a sua música favorita da cantora Kate Bush. A partir daí, a personagem passa a relembrar situações especiais que teve ao lado de seus amigos e namorado, ou seja, por meio da música, ela conecta-se com uma vida que vale a pena ser vivida ainda que carregando os sofrimentos consigo. Este é um ponto de virada para a personagem, que contra-ataca o vilão e corre em direção ao mundo normal.

Mas o que tudo isso têm relação com a Terapia Comportamental Dialética (DBT)? A DBT é um tratamento desenvolvido pela psicóloga Dra. Marsha Lineham conhecido como padrão ouro no tratamento de Transtorno de Personalidade Boderline e já tendo tido protocolos desenvolvidos para vários outros diagnósticos e populações. A DBT tem como principal princípio dialético o equilíbrio entre a aceitação e mudança, de forma que ela tem como meta não apenas manter os pacientes vivos, mas, principalmente,  ajudá-los, por meio destas duas posturas, a construírem uma vida que valha a pena ser vivida. Dois elementos importantes para tornar isso possível é a relação terapêutica e a conexão com os valores do paciente.

Os amigos, ao utilizarem da música para trazer Max de volta do mundo invertido, estão de certa forma agindo como os terapeutas DBT que buscam por diferentes meios, inclusive com a arte, conectar seus clientes com os seus valores. Deste modo, trabalhando juntos, aceitando aquilo que não pode ser modificado, no caso de Max, a morte de Billy, e mudando aquilo que é possível, promovem a construção de uma vida que, apesar das diferentes dores que tenham sido experienciadas, valha a pena se viver. Sem negar a realidade que muitas vezes é dura, busca-se conectar o cliente com aquilo que é mais importante para ele, cultivando, assim, esperança. Assim como na série em que Max precisa se manter ouvindo a sua música favorita para manter o Vecna afastado, além de bolar estratégias para eliminá-lo da cidade de Hawkings, a DBT também incentiva que o cliente por meio de diferentes habilidades tenha uma postura ativa no seu tratamento. Deste modo, busca-se não apenas sobreviver à maldição de Vecna, mas estabelecer laços e conexões com a vida que seja valorosa de se viver.

 

Este texto é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Devahuti Nadaja Guimarães

 

Referências:

Lynch, T. R., Trost, W. T., Salsman, N., & Linehan, M. M. (2007). Dialectical Behavior Therapy for Borderline Personality Disorder. Annual Review of Clinical Psychology, 3(1), 181–205.

The Duffer Brothers. (Produtores). (2016–presente). Stranger Things [Série de TV]. Netflix.

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Estágio Contextus
Esse perfil destina-se aos estagiários de psicologia em Terapias Comportamentais Contextuais do CEFI. ver mais

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