Carta de Despedida

Estou atualmente finalizando um curso de formação em Terapia Analítica Funcional (FAP). Com a chegada desse final, faço uma reflexão sobre como foi esse processo e (como uma tarefa do próprio curso) como eu gostaria que fosse essa despedida. Por mais que seja a finalização deste curso, ao entrar em contato com isso, me conecto com outros encerramentos de ciclos que já vivi.

Como você lida com as despedidas?

Você já fez essa reflexão? Pode ser que esse assunto gere um desconforto. Eu, por exemplo, noto que só de pensar sobre isso sinto um aperto no peito. Mas é uma reflexão importante porque essa é uma grande certeza da vida: o tempo não para! As coisas estão em constante mudança. Com isso, vamos passando por várias perdas ao longo da vida, finais de relacionamentos, afastamentos, mortes, ou outros tipos de perdas.

Ano passado eu perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida, o meu avô. Tive muita sorte de poder me despedir dele ainda em vida, de poder agradecê-lo por tudo que ele me fez e dizer o quanto eu ia sentir saudades dele. Como eu agradeço pela oportunidade de poder ter feito isso, de poder expressar o quanto ele era (e é) importante para mim. Ao mesmo tempo, sei que nem sempre temos essa oportunidade, pois nem sempre sabemos quando é a última vez que estamos vendo aquela pessoa. Minha terapeuta uma vez me disse que entrar em contato com as nossas perdas é também entrar em contato com a forma como queremos viver, pois nos conectamos com valores muito importantes para nós: o que realmente importa, quais relações são importantes, qual a pessoa que queremos ser na nossa vida e nas nossas relações, como queremos viver.

Na FAP, o encerramento da terapia é visto como uma oportunidade clínica de evocar e reforçar comportamentos adaptativos nos nossos clientes no final de relacionamentos. É poder utilizar a relação terapêutica como uma ferramenta para que o nosso cliente possa se despedir de relações importantes do jeito que ele gostaria. Uma das formas de fazer isso é através de uma carta de despedida da terapia escrita tanto pelo terapeuta quanto pelo cliente. No artigo de Tsai, Gustafsson, Kanter, Plummer Loudon e Kohlenberg (2017) sobre final de terapia na FAP, eles apresentam algumas perguntas que o cliente pode responder para entrar em contato com esse processo de forma íntima e vulnerável:

  • O que é difícil para você expressar para mim enquanto nos despedimos?
  • O que você apreciou em mim e em nossa terapia?
  • Que arrependimentos você tem sobre nossa terapia ou o que você gostaria que fosse diferente?
  • O que mais chama a atenção em suas interações comigo? Do que você sempre vai se lembrar?
  • Você pode usar essa experiência comigo para identificar como deseja ser em outros relacionamentos?
  • Se é uma boa ideia tratar cada momento de um relacionamento como se fosse o último, como você quer estar neste último momento comigo? O que você pode levar disso para seus outros relacionamentos?

Responder a essas perguntas não é fácil, nos coloca em contato com uma série de emoções desconfortáveis. Mas como vimos ao longo do texto, é importante para nos conectarmos com os nossos valores nessa e em outras relações. E como podemos fazer isso? Dando o primeiro passo de forma aberta e corajosa. É isso que eu farei agora ao compartilhar o que eu diria para o meu avô:

Vô, para mim é muito difícil me despedir de ti, para mim é difícil até dizer o quanto eu te amo porque isso me faz me sentir muito triste de não te ter mais aqui. O que eu mais aprecio na nossa relação é o quanto tu sempre fez eu me sentir cuidada, segura e amada, e eu tive em ti e na vó um porto seguro ao longo da minha vida. Me arrependo de não ter estado mais próxima no final da tua vida. Às vezes eu fico muito presa no trabalho e nas minhas preocupações e isso fez com que eu faltasse alguns almoços de sábado na tua casa e me arrependo disso.

Eu sempre vou me lembrar da forma como tu me chamava quando me via, tu dizia “minha queridinha” e abria um grande sorriso que a vó contava que tu só fazia para as netas. E dos momentos em que tu parava e suspirava dizendo “é, to velho”, agora essa frase até fazia sentido com quase 98 anos de idade, mas eu escuto tu dizer isso desde que eu era pequena. Me lembro de como tu me contava histórias e cantava para eu dormir em Torres. E ainda me lembro de como tu começou a falar mais abertamente sobre morte quando viu que teu ciclo estava terminando aqui. Nessa fase, para mim era importante, apesar de doer muito a ideia de te perder, que tu sentisse que tinha espaço para falar sobre isso comigo (e espero que tu tenha se sentido assim).

Contigo eu aprendi a priorizar o que realmente importa, tu sempre foi uma pessoa que eu admirei muito pela forma como tu trabalhava, pela tua ética e integridade e pelo efeito que tu gerava nas outras pessoas, incluindo a mim. E apesar de ser muito bem sucedido na tua profissão, tu sempre valorizou e cuidou da tua família. Eu sempre senti que tinha espaço para mim na tua vida, assim como eu via que tinha espaço para os meus primos, tios, pais e a vó (e para quem não sabe, minha família é bem grande). Essa forma de tu cuidar dos teus relacionamentos de maneira que todos nós nos sentimos amados e importantes para ti é o que eu mais quero me inspirar e levar para os meus outros relacionamentos.

Com muito amor e saudade,

Mariana

Referência

Tsai, M., Gustafsson, T., Kanter, J., Plummer Loudon, M., & Kohlenberg, R. J. (2017). Saying good goodbyes to your clients: A functional analytic psychotherapy (FAP) perspective. Psychotherapy54(1), 22.

 

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Sobre o Autor
Mariana Sanseverino Dillenburg
Mariana Sanseverino Dillenburg - CRP 07/27708 Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS na área da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Possui treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo CEFI. Experiência com atendimen... ver mais

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