Aikido Verbal e Outras Artes

Dentre as muitas técnicas utilizadas pelas terapias comportamentais contextuais, existe uma que se destaca pela curiosa metáfora de uma arte marcial. Foi popularizada pelos autores da Matrix da ACT (Terapia de Aceitação e Compromisso), e tem por base uma ideia das artes marciais, talvez mais associada ao aikido, de que a energia do adversário pode ser trabalhada de diversas formas. Uma delas seria simplesmente o bloqueio, a defesa. Outra seria a esquiva, ou, como diz Fernando Pessoa, sair para fora da possibilidade do soco. Existem outras ainda. Mas algumas artes, mais suaves, têm uma intenção de captar o movimento sem bloqueá-lo e redirecioná-lo. Encontramos isto no hapkido, no judô, mas o aikido, talvez pela sua ênfase neste tipo de movimento, ganhou a fama.

Febrai - Aikido


Usando essa metáfora, pensamos no aikido verbal como uma maneira de usar a energia emocional e verbal do paciente para redirecionar e para gerar uma identificação do que é importante e um comprometimento com condutas que levem nessa direção. Não é diferente da ACT, é uma organização dos pensamentos e uma sequência pedagógica, para que pessoas que estão aprendendo a abordagem possam se organizar.

O primeiro questionamento que captura a energia, é: 

 

     O que você está percebendo com seus cinco sentidos nesse momento?


Talvez já iniciando uma desfusão, isso permite que a pessoa perceba, junto ao olhar e validação do terapeuta, o que está acontecendo agora, quem ela é, onde ela está.

Seguindo, pedimos para o paciente, possivelmente usando alguma metáfora, que ele descreva, no seu campo mental  – e conectando com seus possíveis obstáculos e fontes de sofrimento – que vozes sedutoras, que cantos da sereia, surgem e pedem para que ele mergulhe e se afogue. Ou seja, que estímulos são percebidos que levam até um lugar de sofrimento, tanto de sofrimento interno (respostas emocionais ou de pensamentos) e externos (condutas motoras, ou externas, tanto de movimento quanto verbais) que o direcionem para suas ‘armadilhas’, os campos onde a dor leva para comportamentos de evitação para tentar controlar esta dor, mas que não o aproximam da vida que quer viver. Fica preso na armadilha.

Uma questão para auxiliar na observação do que está impedindo de seguir adiante é:

 

     Que anzóis você percebe surgindo agora?


Este se refere ao peixe que morde uma isca e é retirado de seu habitat. Assim como um peixe nadando no mar, quando percebe um anzol, para que não caia nesta armadilha, não precisa que o anzol seja azul, vermelho ou cinza. Não precisa que seja grande ou pequeno. Não precisa que seja um ou muitos. Precisa apenas perceber que o anzol é o anzol!

Assim, convidamos a pessoa que atendemos a observar, uma vez posicionada no aqui-agora dos cinco sentidos, a olhar no seu campo mental os anzóis que convidam e seduzem.

 

     Qual a sensação no seu corpo gerada por este anzol?


Não basta termos um entendimento intelectual sobre a teoria do anzol. Precisamos conhecê-los intimamente, como a nós mesmos – até porque eles são parte de nós. E isso passa, antes de mais nada, pela experiência corporal, pelas sensações físicas, pelo nó na garganta, pelo aperto no peito, pelo formigamento, pela tensão na nuca, pelo punho cerrado, pela eletricidade da pele.

É comum algum grau de desconexão sobre estes fenômenos, em parte porque podem ser desconfortáveis, e servem também de impulso para os comportamentos de evitação. Então fazer uma pequena pausa antes de adotar um comportamento de evitação, no piloto automático, permite que conheçamos um pouco dessas sensações e, aos poucos, podemos perder o medo delas e não as obedecer, mas também utilizá-las como um alerta de que algo não vai bem. E o que vamos fazer para lidar com isso.

 

     O que você se percebe fazendo quando você morde o anzol?


Quando você vê, já está lidando. Já lidou. Já fez alguma coisa. Já saiu de perto, ou já empurrou para longe, ou já agarrou muito forte. Não é assim tão importante saber as causas disto, ainda que seja possível.Diz uma lenda que um médico de guerra foi resgatar um soldado que levou uma flechada. Mas antes de retirada da flecha, o soldado quis saber quem o alvejara, porque, como, onde ele estava, de que era feita a flecha, etc. Acabou por sucumbir.

Vamos focar em retirar a flecha antes – tornar consciente que impulsos, que ações, estão presentes e para onde estão nos levando, e direcionar para aquilo que queremos viver. Depois, temos o resto da vida ‘fora do inferno’ para investigar!


     O que você perceberia fazendo o que aquela pessoa que você quer ser faria?


Eis aqui uma súbita guinada! Até aqui, viemos observando, no momento presente, as armadilhas causadas pela interação do nosso contexto, nosso histórico de aprendizado e nossa genética, como elas nos fazem sentir e que impulsos isso nos traz.

Agora penso: o que o Emmanuel que eu queria ser, não o Pepe, não a Mara, não o Skinner ou Steve Hayes, nem mesmo o Buda, mas o que o melhor Emmanuel possível, ou, o Emmanuel que vive a vida que eu quero viver, o que ele faria agora neste momento? Será que ele não se afastaria, ainda que botasse um limite? Será que ele faria a mesma coisa, mas com outra intensidade? Ou ainda uma coisa diferente? Será que apertaria, mas mais delicadamente, para não quebrar?


     Quem ou quê é tão importante sobre fazer isso que essa pessoa que você quer ser está fazendo?

Existe uma diferença clara entre devaneio ou ruminação e uma profunda reflexão. O objetivo não é uma brutal invalidação – “se eu fosse um cara bacana, teria feito isso tudo diferente, mas não sou, sou uma pessoa de fato horrível!” – e sim identificar algo por trás desse gesto.

Afinal, se a maneira como estamos agindo está nos deixando presos em um ciclo no qual não apenas as questões fundamentais das quais queremos nos afastar não estão sendo resolvidas, mas também não estamos conectando com aquilo que nos leva para onde queremos de fato estar nas nossas vidas, que sabedoria existe para que saibamos que esse outro gesto, este sim, é o que o eu-que-quero-ser faria?

Essa sabedoria são nossos valores, e identificar não apenas a ação que faríamos, mas o que guia essa ação – e quem guia essa ação – é uma joia preciosa que vale mais que um diamante, pois gera riquezas inesgotáveis na nossa breve existência.

     Como você sente no seu corpo isso que é importante para você?


Após um breve passeio funcional sobre nossos ideais, voltamos agora no presente momento para a poltrona da sala da terapia. Estamos aqui sentindo outras sensações. Essas podem ser muito confortáveis. Talvez nem tanto assim. Podemos sentir toda uma outra gama de apertos, mas também de calores, de relaxamentos, de movimentos. As coisas não aterrissam sozinhas, afinal de contas – posso sentir saudades de algo que nem conheço tão bem assim!

Uma vez identificado o que é importante, podemos seguir em frente, redirecionados e sem machucados. Mas e os outros modos de lidar com energia, como bloqueio e esquiva? Ficam para trás?

Podemos entender isso de diversas maneiras. Há momentos em que bloquear certas coisas, por meio de uma carinhosa confrontação, pequenas provocações, trazem crescimento inestimável. Demanda uma certa coragem.

Esquivar de certas outras coisas também pode ajudar. Não entrar demais em conteúdos ruminativos, evitativos, em ‘diário da semana’, e entrar na guarda aberta para chegar naquilo que realmente importa… Assim como a finta, onde uma pergunta deixa a guarda aberta, e permite que certos pontos sejam explorados.

É interessante pensar que todo o repertório marcial pode ser uma grande metáfora para o nosso MMA terapêutico das abordagens processuais, nas quais um exame funcional nos permite usar quase que qualquer ferramenta, contanto que saibamos porque, como, onde, com atenção, coragem e amor. E um pouco de humor. 

 

Emmanuel Kanter

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