ADOECIMENTO E RELAÇÕES CONJUGAIS: COMO A IBCT PODE AJUDAR?

Diversos estudos fazem uma ligação direta entre saúde mental e relacionamentos conjugais. A relação pode ser protetora ou preditora de ansiedade e estados depressivos. Pesquisas revelam que conflitos conjugais podem contribuir para o desenvolvimento e/ou a manutenção de transtornos psíquicos, como, por exemplo, depressão e ansiedade e, ainda, influenciar no deterioro da relação (Johnson et al., 2005; Sullivan et al., 2010). Há, ainda, pesquisas que preconizam que uma relação conjugal hostil pode provocar prejuízos na saúde física (Kiecolt-Glaser, Loving,  Stowell et al., 2005). Por exemplo, foi realizado um estudo que relacionou interações conjugais hostis com a produção de citocinas pro-inflamatórias e a cicatrização de feridas. A citocina pro-inflamatória dificulta a recuperação do organismo. Seus resultados revelaram que houve um retardo na cicatrização das feridas após conflito conjugal, comparados a casais que tiveram interações de adequado suporte social.

 

Veja que interessante: uma relação hostil pode influenciar na produção de hormônios que dificultam a recuperação física! Relacionamentos hostis afetam o funcionamento fisiológico e a saúde das pessoas. Ou seja, a conclusão refere que as boas relações proporcionam uma recuperação mais rápida e, consequentemente, saúde física! Em tempos de pandemia, necessitamos preservar nossa saúde física, e esta pode ser mantida com o auxílio de um bom relacionamento conjugal.

 

Uma das formas de resgatar (ou preservar) um bom relacionamento conjugal (com todas imperfeições inerentes a ele) é por meio da Terapia Comportamental Integrativa de Casal (ou Integrative Behavioral Couple Therapy-IBCT). A IBCT trabalha com o conceito de Aceitação para permitir que vejamos o problema como compreensível dentro do seu contexto, que abandonemos a luta para mudar o(a) parceiro(a) e que os problemas sirvam como uma abertura à vulnerabilidade e verdadeira intimidade entre o casal. Sendo assim, a aceitação é uma classe de resposta e surge na presença de situações aversivas, diante das quais um dos parceiros(as) escolhe não responder com padrões de coerção, desprezo e polarização, mantendo uma conexão positiva, “inclusive” com suas diferenças (Jacobson & Christensen, 1998). Reforçamos que o conceito de Aceitação não é renúncia, submissão ou dar permissão para abusos. Não se aceita o inaceitável tal como agressividade, violência.

 

Outro aspecto essencial se refere a lidar com as dificuldades da vida. Estas são inerentes e não há como evitá-las, por mais que tentemos. Há situações impostas, tais como o problema com o COVID 19: não é uma questão de escolha acerca de sua existência, mas de como vamos lidar com esta situação. Por vezes, simplesmente dar abertura ao sofrimento é o suficiente. O que pode piorar ou intensificar a dor é criar uma expectativa e/ou diversos pensamentos que se colocam contra esta situação, por exemplo, questionado a razão de sua existência… Segundo Willians, Teasdale, Segal & Kabat Zinn (2007), às vezes só reconhecer o que realmente está ocorrendo em lugar do que “deveria” estar sucedendo é tudo o que é necessário para transformar nossa experiência… Reconhecer que há uma doença, que precisamos nos cuidar e que a vida conjugal está totalmente diferente da rotina anterior, podendo ter aspectos positivos e negativos, já pode ser um cuidado consigo e com a relação.

 

Diante disso, o que pode ser feito? A única coisa possível: alterar nosso comportamento. A IBCT diferencia um problema primário de um problema secundário. O primeiro é resultado de diferenças entre o casal, suas reações emocionais, vulnerabilidades e influências de circunstâncias externas. Já o problema secundário se refere à reatividade emocional, a qual leva a padrões de interação problemáticos. A proposta seria a pessoa se observar, validar suas emoções superficiais ou duras (geralmente a raiva) e fazer tato com suas emoções profundas ou ocultas, as quais, neste momento de pandemia, podem ser medo, ansiedade, tristeza… Ao acessar as emoções profundas, a pessoa tem a oportunidade de se conectar com sua dor, pois falar de dor sem acusar o outro gera maior intimidade. Como é importante neste momento ter espaço para o colo, o ombro, o abraço, o choro que está contido. Como é necessário abrir-se para o(a) parceiro(a) para que este compreenda o nível de estresse, angústia. Como é importante que estas emoções tenham sua vazão da maneira adequada, e não de forma reativa numa briga polarizada.

 

A avaliação de um caso de terapia conjugal passa pela formulação DEEP (profunda em inglês) cujas letras formam um acrônimo: Diferenças, sensibilidades Emocionais, estressores Externos e o Padrão de interação do casal. Poderíamos adaptar o DEEP para o momento em vivemos com coronavírus:

D: maneiras distintas como cada um está lidando, por exemplo, com suas emoções. Um pode precisar falar e o outro precisa se calar. Não é certo nem errado, mas são formas diversas de lidar, conforme a personalidade de cada um, com tamanha angústia que a situação impõe.

E: as emoções superficiais podem ser, principalmente, em torno da raiva, irritabilidade, intolerância… enquanto que as emoções profundas podem ser, inclusive, as despertadas por um processo de luto (luto pela vida que se tinha, luto se, de fato, perder alguém)

E: fator externo é essencialmente a imposição de mudança de vida devido ao COVID 19, acrescida de incertezas em relação à saúde das pessoas e à economia.

P: o padrão de interação vai depender de cada pessoa. Alguns casais vão brigar mais, outros tolerar menos coisas que antes não eram importantes, outro podem se aproximar diante do fato – absoluto – que não somos eternos…

 

Por fim, e mais do que nunca, é momento de pensar na vida aqui-e-agora, é período de praticar a tolerância para situações difíceis, pois não temos, ainda, a dimensão da mudança que estamos passando, como ficará a vida depois desta crise. Lembrando que as brigas são capazes de gerar tanto estresse que podem interferir na saúde física. É momento de, segundo o aprendizado de Michele Obama com sua terapia de casal, afastar nossas armas de nossas feridas. Vamos nos cuidar!

 

 

 

REFERÊNCIAS

Jacobson, N. S., & Christensen, A. (1998). Acceptance and Change in Couple Therapy: A Therapist’s guide to Transforming Relationships. New York: Norton.

Johnson, M. D., Cohan, C. L., Davila, J., Lawrence, E., Rogge, R. D., Karney, B. R. & Bradbury, T. N. (2005). Problem-solving skills and affective expressions as predictors of change in marital satisfaction. Journal of Consulting and Clinical Psychology, 73(1), 15- 27. doi: 10.1037/0022-006X.73.1.15

Kiecolt-Glaser, J.; Loving, T.; Stowell, J.; et al. (2005). Hostile Marital Interactions, Proinflammatory Cytokine Production, and Wound Healing. Arch Gen Psychiatry. 2005;62(12):1377-1384. doi:10.1001/archpsyc.62.12.1377

Sullivan, K. T., Pasch, L. A., Johnson, M. D., & Bradbury, T. N. (2010). Social support, problem solving, and the longitudinal course of newlywed marriage. Journal of Personality and Social Psychology, 98(4), 631-644. doi: 10.1037/a0017578

Williams, M., Teasdale, J., Segal, Z., & Kabat-Zinn, J. (2007). The mindful way through depression. New York: The Guilford Press.

 

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Sobre o Autor
Mara Lins
CRP 07/05966 Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (UNISINOS). Mestre em Psicologia Social (PUCRS). Especialista em Terapia de Casal e Família (CEFI). Treinamento em Terapias Comportamentais Contextuais. Treinamento em Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy-IBCT) com Andrew Christensen e sua equipe. Professora e Supervisora de cursos de pós-grad... ver mais

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