Como seria se desenvolver e aprender a ser um melhor terapeuta falando abertamente sobre seus fracassos ou equívocos ou falta de conhecimento na prática clínica? Participo de um grupo de estudos há 3 anos com meus colegas da Especialização em Contextuais (nos formamos em 2018 no CEFI) e em algum dos nossos encontros essa foi a pauta, a partir da leitura do capítulo 3 do livro Habilidades Terapêuticas na Prática da Psicoterapia, das Organizadoras Cláudia Oshiro e Joana Vartanian.
Fico feliz de poder ter esse grupo e um espaço de confiança, trocas e cumplicidade, ali conseguimos de fato nos vulnerabilizar, pedir ajuda, compartilhar, falar de coração aberto, no entanto, o que noto é que na maioria dos contextos, principalmente os mais auto exigentes essa não é a realidade. E aqui poderia usar como exemplo muitas situações e locais, como empresas, instituições, famílias, comunidades, grupos e etc…, mas falarei do lugar de psicoterapeuta sempre em formação, ao menos é assim que me sinto e acho que me sentirei enquanto estiver atuando como tal.
Nesse capítulo as Organizadoras trazem algumas variáveis que podem facilitar ou dificultar a melhora clínica, destacando a “consciência que o terapeuta precisa ter sobre suas fortalezas e fraquezas na interação com seus clientes”. No meu entendimento essa consciência precisa ser desenvolvida e ampliada, a partir da criação de espaços formais e grupais de exploração, de trocas de feedbacks, da observação da prática, role plays e comportamentos de abertura. Fácil né? Ledo engano, se conectar e dar voz para possíveis falhas e se abrir para feedbacks negativos é um grande desafio do ser humano. Sabemos que se vulnerabilizar não é nada fácil, mas se conectar profundamente com os fracassos profissionais, exige ao meu ver maior esforço.
Na nossa realidade normalmente usamos os espaços de supervisão e/ou consultoria de equipe para tal, ou seja, fazemos isso com colegas de profissão, muitas vezes idealizados ou com alguma relação hierárquica ou de autoridade. Justamente esses que podem nos encaminhar (ou deixar de encaminhar se tivermos muitos fracassos?) novos clientes. Normalmente partimos da premissa de aprendizado pelo modelo do que é certo fazer, inclusive os role plays nos cursos que faço tem a função de nos trazer modelos a serem seguidos. Como seria se expor e falar e demonstrar uma má atuação como psicoterapeuta? (Só de pensar me dá um frio na barriga.). Enfim, penso que para evoluir nesse caminho temos que mexer em questões culturais e de modelo de educação internalizado na maioria de nós.
Mas a pergunta que mais tenho me feito ultimamente, pensando sobre esse assunto, é: O que seria um fracasso numa psicoterapia? O que seria dar errado? Tenho respostas elaboradas para isso, tais como não atingir as metas e objetivos do cliente, não usar estratégias adequadas e que ajudem nesse propósito, não estabelecer uma boa aliança terapêutica, não empatizar e estar presente na interação, invalidar a experiência interna do cliente, não saber lidar com as minhas expectativas em relação ao progresso do cliente e tantas outras… Tenho aprendido muito sobre paciência e tempo do outro, conversado muito com a minha mente resolutiva e buscado dar mais espaço para minhas dúvidas e não saberes. E acho que é justamente por isso que decidi provocar trazendo esse tema nesse momento.
Com medo digo que uma das minhas metas de 2024 é entrar mais em harmonia com meus possíveis fracassos e só há uma forma desse encontro acontecer, pela exposição e busca de sentido em cada momento vivido da minha vida, profissional e pessoal, mesmo que seja a partir dessa tomada de consciência por vezes dolorosa. E assim, tendo a oportunidade de ampliar a generosidade comigo mesma e reduzir o medo do julgamento, da avaliação do outro, a ruminação pós eventos que julgo não terem sido de sucesso, mas principalmente dar espaço para o meu SER HUMANO, que está em constante transformação… Bem-vindo 2024 com mais leveza e autocompaixão.
REFERÊNCIAS:
Oshiro,C. & Vartanian,J. Habilidades terapêuticas na prática da psicoterapia. Santana de Parnaíba (SP): Manole,2023.