Reflexões sobre viver o agora

Estava preparando meu café da manhã, moendo alguns grãos com o moedor elétrico — um presente querido que ganhei das minhas irmãs — enquanto a água esquentava na chaleira. Escolhi uma das minhas xícaras favoritas, presente de amigas muito especiais, e deixei o café filtrar direto para a garrafinha térmica que comprei nos tempos em que fazia duas graduações e passava o dia fora de casa. Naquela época, costumava carregar chá quente para enfrentar os dias gelados de Porto Alegre no ônibus.

Enquanto acompanhava esse ritual, percebi como cada objeto carregava uma lembrança: momentos diferentes da minha vida, todos presentes ali, de alguma forma. Foi nesse instante que me deparei com o agora. Comigo mesma, no presente. Como está minha vida neste momento? Como estou em minha vida agora?

Tenho 33 anos, sou mulher, moro sozinha e estou solteira. Essas características logo surgiram na minha mente. Fiquei refletindo alguns minutos sobre elas — e foi daí que surgiu a vontade de escrever este texto.

Ao compartilhar esse momento da vida com outras pessoas, percebo a curiosidade que desperta. Muitas vezes me perguntam sobre morar sozinha ou sobre não estar em um relacionamento. E, junto disso, noto expectativas que não foram criadas por mim, mas que atravessam meu cotidiano, especialmente por ser mulher. Existe uma espécie de roteiro invisível que ainda circula no discurso e comportamentos: namorar, casar, ter filhos e seguir a vida nesse formato. Quando não seguimos essa ordem, parece que precisamos justificar em detalhes, como se a pergunta não dita fosse: “Tá, mas por que sua vida chegou nesse lugar?”

No universo masculino, não estar em um relacionamento costuma estar associado à liberdade e até a certo prestígio social. Para as mulheres, muitas vezes carrega um estigma: como se houvesse algo incompleto. Nos encontros com familiares ou amigos, não raro surgem perguntas sobre namorados, filhos, comparações sociais ou problemas de estar vivendo dessa forma. Mesmo a admiração pela autonomia de morar sozinha, quase sempre, vem acompanhada de um olhar de “até quando?”. Como se a independência fosse válida, mas provisória.

E essa ideia, tão arraigada nas micro-relações do cotidiano e nos discursos amplamente divulgados, me causa desconforto. O que sustenta esse olhar que enxerga um momento de vida como se fosse apenas um ‘entre’, um período de transição? Fico com a impressão de uma interpretação social de que ‘as coisas importantes’ — namorar, casar, ter filhos — não estão acontecendo; e, por isso, esse seria considerado apenas um intervalo, até que se siga o roteiro previsto: fazer as escolhas mais validadas socialmente.

Morar sozinha e estar solteira, para mim, tem sido um tempo de muita vida. Uma vida inteira. É exercício de autonomia, de escolher a própria rotina, de se responsabilizar por tantas escolhas, de aprender a ouvir o silêncio da casa (que eu tanto amo) e também de acolher os desconfortos quando aparecem.

Assim, é nesse espaço que a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) faz sentido: praticar a abertura e viver o momento presente com intenção. Em alguns momentos, pensamentos de comparação ou julgamento podem surgir, assim como sensações desconfortáveis, cujo propósito não compreendemos de imediato. Com consciência, podemos olhar para isso e escolher como nos relacionar com tantos atravessamentos — em forma de perguntas, interações, expressões não verbais, ideias da mídia ou imagens e vídeos do Instagram. É um compromisso que precisa ser feito e refeito constantemente, com quem somos e com o modo que estamos.

Aceitar emoções desconfortáveis é parte da vida. Não poderemos controlar o que sentimos, nem o que esperam de nós. E, ainda assim, podemos escolher viver de acordo com o que realmente importa.

Na vida, não há transições. 

A vida é presença. 

E por aí, como está o seu agora? 

 

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Sobre o Autor
Ana Paula Domeneghini
Psicóloga (PUCRS - CRP 07/23571). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais Baseadas em Processos (CEFI). Especialista em Terapia Sistêmica Individual, Conjugal e Familiar (CEFI). Atua como psicóloga clínica com atendimento individual, familiar e conjugal. Membro da Equipe CEFI Contextus. ver mais

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