Mindfulness e aprender a dirigir moto

Quando lembro do processo de começar a aprender a conduzir uma moto – sim, ainda estou aprendendo – são inúmeros pensamentos que surgem na minha mente.

Decidi que quero aprender a dirigir moto. O desejo de aprender algo novo e como minha vida seria mais prática e divertida estava ali, junto com essa decisão. E aí? Por onde começo a fazer isso? Como lidar com esse lugar interno que ao pensar nisso já trazia, também, tantos julgamentos, sensações desconfortáveis e avaliações.

Na noite anterior a primeira aula, o que minha mente dizia era ‘por que inventei fazer isso?’. Peguei os documentos do contrato, olhei a multa para cancelamento das aulas e da matrícula. Percebi que estava agitada, caminhando de um lado para o outro da casa, tentando ‘resolver’ alguma coisa naquele momento. E me permiti prestar atenção ao que estava acontecendo. Dei atenção a aquilo que pensava que precisava ser resolvido. O processo de estar atento intencionalmente é assim, é DAR a nossa atenção a nós mesmos ou a aquilo que estamos vivendo no momento presente. O que mais consigo perceber que está acontecendo aqui?

Percebi como me sentia naquele instante. Medo, claro. Tantas coisas e com tantas justificativas possíveis. Nunca tinha dirigido uma moto, não sabia o que esperar, como me sairia, como meu corpo iria responder naquele momento, a expectativa de conseguir dirigir, o desejo de ter mais liberdade e praticidade para ir para os lugares por aqui perto etc etc etc

 ‘ana paula, você já tomou a sua decisão’ – Quando falo com a minha mente uso meus dois nomes – e essa decisão trazia isso, todos esses questionamentos e sensações. E lá no início, antes de me inscrever nas aulas, imaginei que isso iria acontecer. E lá estava eu, vivendo a noite anterior a fazer algo novo.

O que pude fazer foi guardar o papel, que não fazia mais sentido naquele momento. Respirar. Perceber que aquele era um momento do caminho que escolhi percorrer. Perceber a ansiedade em sensações corporais e agitação mental. E segui fazendo aquilo que era importante para mim. Naquele exato momento poder dormir.

Chegando na primeira aula o medo continuava ali. Ele estava presente em um olhar mais atento as informações externas, fazendo mil perguntas para o professor, que me respondia ‘tu está muito na mente, é só praticar’. Essa resposta não me caia bem, eu queria uma forma de resolver as minhas dúvidas, uma resposta. Com medo, o meu impulso era de não querer praticar.

Seguia praticando, com os conselhos e instruções. Tentando colocar todos em prática.  Fiz as coisas que não eram para ser feitas: como colocar os pés no chão no momento inadequado ou usar o freio dianteiro. E lá estava a ansiedade novamente. E como é desconfortável sentir isso. Seguia praticando e participando.

Estar em mindfulness é o constante treino de estar com uma postura aberta e disponível para perceber como o momento presente está e como estamos. Notar o processo.

E tiveram aqueles momentos que percebia o entusiasmo de ter conseguido colocar em prática uma instrução, fazer uma parte da pista com tranquilidade, curtir a ‘velocidade’, a minha mente: ‘yeaah, estou conseguindo’.

Foram aulas com previsão de ciclone, com vento, frio e chuva. Já estava lá a minha mente: ‘com chuva isso não vai dar certo’. E eu estava lá para notar minha mente com esses pensamentos, com espaço para perceber a ansiedade de viver algo que não tinha controle de como seria.

Após algumas aulas pude notar aquele pensamento ‘é como uma coreografia’. Lá estava minha mente sábia, notando as emoções e utilizando estratégias que já conhecia para aprender um comportamento motor.

Assim segui as aulas e a prova, praticando observar as diferentes experiências e descrever algumas delas, para o professor, motoristas do uber, amigos e familiares. E principalmente participar, estar presente na experiência em conexão com a minha mente sábia.

Ao olhar para essa imagem que escolhi, percebo um entusiasmo e curiosidade. Minha mente me pergunta, ‘será que gostarei de dirigir no trânsito?’.

 

Referência: Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o paciente. Artmed Editora.

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Sobre o Autor
Ana Paula Domeneghini
Psicóloga (PUCRS - CRP 07/23571). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais Baseadas em Processos (CEFI). Especialista em Terapia Sistêmica Individual, Conjugal e Familiar (CEFI). Atua como psicóloga clínica com atendimento individual, familiar e conjugal. Membro da Equipe CEFI Contextus. ver mais

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