COMO SERIA UMA RELAÇÃO AMOROSA COM ACEITAÇÃO?

A Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy – ACT) foi desenvolvida a partir de pesquisas sobre a linguagem e cognição humana da Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory – RFT). Esta propõe novas informações sobre a maneira como as relações verbais se formam e como estas, rapidamente, assumem o controle funcional sobre o comportamento. Refere-se a que nossas mentes estão constantemente catalogando, registrando, fazendo relações entre o que percebe do mundo. Estas relações são difíceis, se não impossíveis, de romper após sua formação. Por exemplo “Não pense num elefante rosa”, “Não se lembre daquela vez em que seu parceiro gritou” (Hayes, Barnes-Holmes & Roche, 2001; Dahl, Stewart, Martell & Kaplan, 2013).

Sendo assim, uma das perspectivas da ACT propõe que o que pode oportunizar o adoecimento psíquico é a luta com as questões internas que surgem nas nossas mentes, enquanto que o trabalho com Aceitação seria dar abertura às mesmas, estar disposto a… (Hayes, 2004). Ao propor esta perspectiva num trabalho com casais, o foco é intrapessoal e interpessoal, questionando o critério de verdade pragmática que cada membro tem e objetiva acessar a vulnerabilidade do casal, estimular a intimidade, a conexão e a vitalidade na relação. Suas intervenções visam processos que são obstáculos à intimidade e, portanto, posicionam-se claramente no âmbito do sofrimento do casal. A ACT pode auxiliar os casais a transformarem o problema, a desistir de anos de lutas, nas quais as tentativas de soluções se tornaram piores que o conflito original (Capps & Storaasli, 2017).

     Afinal, o que seria Aceitação na relação conjugal?

Refere-se à disposição para observar e experimentar tudo o que surge internamente quando se apresenta, a estar presente na própria experiência quando o parceiro sente o que sente, e à abertura para a experiência do parceiro. É, por meio da empatia, construir o ‘estar disposto a’ – o poder sentir e pensar como sente o outro e se abrir mutuamente. Seria como um processo de promover a vontade de experimentar eventos privados, tal como são, não como a mente diz que deveria ser. Sair do ‘MAS’: mudando do “Eu a apoiaria, mas estou com muito ciúmes” para “Eu vou apoiá-la e tenho muito ciúmes”.

Trata-se, ainda, de uma boa solução para o “Não seja tão emocional!” ou “Supera isso já!”. Essas declarações são mais sobre quem diz do que sobre a pessoa para quem se fala, ou seja, “Não consigo sentir o que estou sentindo quando vejo você sentir o que está sentindo”. A aceitação propõe dar espaço para o desconforto e confusão!

Porém, não é tão simples, pois há barreiras para estar disposto a: As principais barreiras se referem à disputa entre quem está correto e incorreto, ou seja, quem tem a razão? Geralmente é um funcionamento conjugal com muitas críticas e invalidações que apontam as falhas do outro. O sentimento pode ser de vingança e o pensamento de que nunca vão solucionar o problema. No entanto, há um grande custo na disputa pela razão: geralmente afasta o casal.

Christensen, Doss e Jacobson (2014) trazem que o trabalho com Aceitação era o elo perdido que faltava para a terapia de casal tradicional. Referem que se pode trabalhar na Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy – IBCT) com a Aceitação em quatro perspectivas:

  1. EQUILÍBRIO ENTRE ACEITAÇÃO E MUDANÇA

Há comportamentos, como o abuso físico, que não podem ser aceitos. Fora estes, há diversas características (físicas ou de personalidade) que são imutáveis e deverão ser aceitas se quiser permanecer com a pessoa. Cada um deve saber quais são seus limites pessoais e ter claro o que pode aceitar e o que não para ter um bom relacionamento, além, claro, de estar disposto a mudar algo de si. Há uma armadilha muito comum nos casais: a lista de mudança do outro, geralmente, é maior do que a sua… Sendo assim, o principal aspecto que pode ser mudado é o ‘como’ as pessoas respondem às características/situações consideradas estressores, ou seja, o padrão de comunicação pode ser alterado e, consequentemente, isto sim pode propiciar alguma mudança na relação…

  1. ACEITAÇÃO PELA COMPREENSÃO

É a necessidade de definir claramente qual é o problema para, só então, poder resolvê-lo. Esta definição implica em descrever as diferenças entre o casal, suas vulnerabilidades, os fatores de estresse, suas histórias de aprendizagem, seus esforços e as próprias descrições da situação. É uma história única do casal que proporciona uma maior compreensão do problema e, consequentemente, uma base para a aceitação.

  1. ACEITAÇÃO PELA COMPAIXÃO

É comum os casais acharem que seus parceiros não escutaram o que realmente deveriam, visto que as discussões são repetitivas. Assim como também é comum as pessoas acharem que já falaram tudo o que seria importante sobre um determinado problema. Porém, pode ocorrer de não terem revelado as informações mais importantes, tais como sentimentos mais profundos ou emoções ‘brandas’ (por exemplo a tristeza). É possível que, no calor da discussão, expressem somente as emoções superficiais, ou ‘duras’, como a raiva. Acessar e revelar as emoções brandas é revelar as próprias vulnerabilidades e, exatamente por isso, os casais temem acessá-las para evitar preocupações, por exemplo, do outro realmente ir embora, ou brigar mais ainda. Por outro lado, ao revelar os sentimentos mais profundos, pode haver uma conexão mais empática, promover a compaixão e proximidade. Por exemplo, ao invés de criticar o comportamento do parceiro quando ele se afasta, pode-se dizer que se sente distante e triste no momento em que isto acontece e, ao mesmo tempo, interessar-se pelo o que ocorre internamente com o outro naquele instante.

  1. ACEITAÇÃO PELA TOLERÂNCIA

Seria ideal se os casais pudessem excluir os conflitos das suas vidas. Como isto é inviável, infelizmente, a resposta possível é que os aceitem, vivam com eles. Geralmente, os esforços para resolver o conflito o tornam muito pior, numa discussão sem fim, num padrão de interação que não funciona. Se os casais conseguirem ver o problema como ‘ele’, um ‘terceiro’ que está interferindo na relação, podem ampliar suas percepções para um contexto mais amplo, suas influências culturais associadas às idades, sexos, gêneros, etnias e histórias familiares. Esta tomada de perspectiva só é possível antes ou depois de uma batalha (devido à fusão com a emoção no momento) e pode aliviar e/ou facilitar a recuperação de ambos depois do conflito.

Por fim, a Aceitação na relação conjugal estimula menor defensividade dos parceiros e maior receptividade à escuta genuína dos seus anseios. Consequentemente, pode haver abertura para estas necessidades porque realmente se importam um com o outro, desejam cuidar da relação e se propõem a ter ações que os levem nesta direção.

 

REFERÊNCIAS

Capps, C., Storaasli, R. (not published). Acceptance and Commitment Therapy as a Treatment for Couple Dysfunction. Site da ACBS. Acessado em julho de 2017: https://contextualscience.org/comment/reply/2002#comment-form

Christensen, A. Doss, B. Jacobson, N. (2014). Reconciliable differences: Rebuild your relationship by rediscovering you love – without losing yourself. New Yor: The Guilford Press. Second Edition.

Dahl, J. Stewart, I.  Martell, C.  Kaplan,J. (2013). ACT & RFT in Relationships.Oakland: New Harbinger Publications.

Hayes, S. C. (2004). Acceptance and commitment therapy, relational frame theory, and the third wave of behavioral and cognitive therapies. Behavior Therapy, 35, 639-665.

Hayes, S. C., Barnes-Holmes, D. & Roche, B. (Eds.). (2001). Relational frame theory: A post-Skinnerian account of human language and cognition. New York: Plenum Press.

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Sobre o Autor
Mara Lins
CRP 07/05966 Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (UNISINOS). Mestre em Psicologia Social (PUCRS). Especialista em Terapia de Casal e Família (CEFI). Treinamento em Terapias Comportamentais Contextuais. Treinamento em Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy-IBCT) com Andrew Christensen e sua equipe. Professora e Supervisora de cursos de pós-grad... ver mais

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