Acolhendo o Luto: Reconectando-se com a Vida Após as Inundações no Rio Grande do Sul

Quando falamos de luto, embora o associemos à perda, essa perda está sempre relacionada a um vínculo, um vínculo que foi construído e se tornou importante em nossa vida. A dor no luto surge ao reconhecer que aquilo valioso que construímos já não está mais. Esse vínculo geralmente está ligado aos nossos valores, que no contexto da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) nos orientam sobre para onde devemos redirecionar nossa atenção e esforço. Esta dor dá a sensação de que precisamos nos afastar dela o mais rápido possível, mas a realidade é que ela nos mostra a importância do vínculo. Esse vínculo não se limita às pessoas; também pode incluir um lar ou coisas que foram construídas com esforço ao longo dos anos nesse lar. Reconhecer a natureza do vínculo é essencial para entender o luto e decidir qual caminho seguir para manter a essência desse vínculo.

Uma forma de entender como o luto funciona é através do Modelo de Processamento Dual. Esta perspectiva sugere que as pessoas em luto oscilam entre dois tipos de atividades: aquelas que enfrentam a perda diretamente (orientadas para a perda) e aquelas que evitam a perda ao focar no dia a dia e nas novas adaptações (orientadas para a restauração). Tentar manter um equilíbrio entre conectar com nossa perda e o que ela implica e focar nas coisas que precisamos fazer para nos adaptarmos pode ser uma alternativa que ajude as pessoas a transitar seu luto de uma maneira mais saudável.

Na prática clínica, é fundamental reconhecer e respeitar a natureza do vínculo que o paciente tinha com o que foi perdido. Uma adequada conceituação do caso permite ao terapeuta identificar os valores subjacentes e as áreas onde o paciente necessita de maior apoio.

Para ajudar os pacientes a interagir entre as atividades orientadas para a perda e para a restauração, é útil fomentar certos movimentos:

  1. Disposição: Estar aberto a experimentar e expressar a dor da perda.
  2. Consciência: Reconhecer e aceitar as emoções e pensamentos que surgem durante o luto.
  3. Compromisso: Tomar ações que honrem o vínculo perdido enquanto se avança para a adaptação a uma nova realidade.

No contexto da ACT, manter o contato com o vínculo significa honrar e lembrar a pessoa perdida, assim como as coisas e lugares que construímos e que geraram uma conexão. Para honrar esse vínculo, podemos fazer algo para mostrar o quão importante ele é, como algum tipo de ritual. Pode ser manter algum objeto ou símbolo que permita reconectar com todo o tempo vivido com esse vínculo, ou simplesmente lembrar e falar sobre a pessoa ou os vínculos que construímos. Esta abordagem não busca evitar a dor, mas integrá-la como parte da nossa própria experiência, alinhada com nossos valores pessoais.

Se você está passando por uma situação difícil, como as recentes enchentes no Rio Grande do Sul que deixaram muitas pessoas sem casa, sem seus entes queridos e sem o patrimônio que construíram durante anos, lembre-se de que é um momento para cuidar de si neste momento. Essa dor provavelmente indica que o vínculo que você tem é importante, por isso o desafio implica reconhecer o que é essencial, e pode ser um bom momento para reconstruir a vida tentando manter o que é importante, o essencial. Buscar apoio pode ser um bom caminho neste momento, seja através de um grupo de escuta ou de acompanhamento psicológico. Isso pode ajudar você a transitar por este processo tão desafiador que virá nos próximos meses.

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Sobre o Autor
José Ignacio Cruz Gaitán
Psicólogo. Mestre em Psicoterapia. Membro dos Núcleos VIDA, CORA e CONTEXTUS no CEFI. Formado em Terapia dialéctica Conductual pelo Behavioral Tech e com múltiples treinamentos em Terapia de Aceitação e Compromiso, Terapia Analítico-Funcional e diversas terapias Contextuais. Coordinador do Núcleo Vida para a atenção ao risco de Suicidio e Coordinador da especialização em Terapias Comportamentai... ver mais

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