Coragem… Ao longo da minha vida não tive uma relação muito amigável com essa palavra. A minha percepção de mim mesma, a camisa que eu vestia, é de que eu era covarde. O medo sempre foi um companheiro conhecido ao longo da minha vida. Esse medo já me paralisou a ponto de deixar de fazer coisas que eu queria porque eu sentia que ele me dominava. Já me senti muito triste por acreditar que na vida teriam coisas que “não seriam para mim”, que eu nunca ia conseguir fazer por medo.
É engraçado como nós vamos criando esses conceitos sobre nós mesmos, e como eles parecem verdadeiros. Aí você pode perguntar, mas como não seriam? Certamente conseguimos encontrar vários fatos que reforçam esses conceitos: a vez que eu parei um exame do dentista no meio porque estava com receio de passar mal, aquela outra situação que eu desmarquei uma viagem na véspera porque fiquei com medo de como seria a viagem de ônibus… Razões não faltam para confirmar esses rótulos.
Junto com esses rótulos vem uma série de características que utilizamos para nos descrever. Eu, por exemplo, me via como uma pessoa que tinha baixa tolerância para o mal-estar e, portanto, não conseguiria realizar ações que envolvessem tolerar sensações desagradáveis intencionalmente.
Em 2017 eu queria começar uma nova atividade em grupo, algo que me permitisse fazer algum esporte ao ar livre. Minha mãe então sugeriu que eu buscasse um grupo de corrida, já que atendia esses critérios. Lá fui eu. A corrida me possibilitou ressignificar muito a minha relação com o medo e comigo mesma. Percebi, através da corrida, que eu tolero muito mais coisas do que eu sabia.
À medida que eu me abria para essa atividade, eu me abria para muitos desafios que vinham juntos: os desconfortos físicos que às vezes aparecem (dor em alguma parte do corpo, enjoo, tontura), os pensamentos (“não vou aguentar”, “não vou conseguir”, “não sou boa o suficiente para isso”), as emoções (medo, tristeza). Mas me abrir para essas experiências me permitiu experimentar coisas muito boas e muito importantes para mim: a felicidade de acordar e treinar, de concluir uma prova que eu me desafiei, a sensação de conexão com outras pessoas que partilham disso, a satisfação de alcançar uma meta importante. Talvez a melhor experiência que a corrida tenha me proporcionado tenha sido descobrir que eu consigo tolerar todos esses desconfortos e me manter onde eu quero estar, mesmo com o medo.
Isso quer dizer que o medo foi embora? Não mesmo. Eu sinto muito medo em várias situações da minha vida, inclusive em alguma delas eu ainda sinto esse medo que chega a me paralisar. Talvez eu sempre vá ter essa experiência, e tudo bem. Porque não é mais sobre o medo, nem sobre o desconforto que ele me traz. Não é uma experiência fácil. Mas ele não dita a minha vida, eu escolho para onde eu vou e o que eu quero fazer. E o medo não é meu inimigo, ele faz parte de mim, ele também me fala necessidades importantes que eu posso, com compaixão buscar, atender.
Enquanto eu pensava na coragem como uma experiência sem medo, eu não a encontrei, hoje me sinto corajosa e o medo é um companheiro nessa jornada. Encerro esse texto com um ditado feito por Nelson Mandela:
“Aprendi que a coragem não é a ausência do medo, mas o triunfo sobre ele. O homem corajoso não é aquele que não sente medo, mas o que conquista esse medo.”
Foto da minha primeira meia maratona em 2019