Recentemente, conversando com uma amiga expatriada que mora em Dublin, notamos que, pelo menos dentro das nossas experiências, as pessoas de alguns países europeus têm muito mais costume e facilidade em negar pedidos. Em contraponto, brasileiros parecem ter mais receio. Não é incomum receber ou dar respostas como “em outro momento saímos” para um convite de passeio indesejado, por exemplo. Aparentemente, estamos habituados a deixar em aberto assuntos que poderiam ser resolvidos com mais transparência.
Isso, por si só, não é um problema, justamente porque faz parte da “etiqueta” cultural brasileira – tem esse conjunto de códigos que, ainda que não configurem uma resposta clara e objetiva, conseguem passar a mensagem de que é possível que você ou a pessoa não queira fazer o passeio nem agora, nem nunca. Algumas entrevistas indicam que apresentamos essa aversão ao “não” por querer evitar conflitos, evitar desapontar quem fez o pedido ou pelo medo de sermos “mal vistos”. Ao mesmo tempo, em vários momentos preservar o outro de uma possível frustração significa colocarmos nosso autorrespeito em segundo plano. Também entendemos que em diversas ocasiões é absolutamente necessário expressarmos claramente nosso posicionamento – no trabalho, por exemplo.
Eu me identifico com a dúvida e dificuldade sobre como dizer “não” e sei que sou prejudicada por isso, embora esteja me propondo a ser mais sincera e condizente comigo mesma. Acredito que mais pessoas possam se identificar e, por isso, decidi adaptar umas das fichas de efetividade interpessoal do Manual de Habilidades da DBT (Terapia Comportamental Dialética): a do Jogo da Moeda. Funciona assim: são dez perguntas de resposta “sim” ou “não”, que levam em consideração diferentes aspectos. Para cada resposta positiva, se pontua 1. Seguem as perguntas com a categoria do tópico:
Capacidade – Posso dar à pessoa o que ela quer?
Prioridades – Meu relacionamento é mais importante do que dizer não?
Autorrespeito – Dizer não fará eu me sentir mal a meu respeito?
Direitos – Sou obrigado por lei ou código ético a dar ou fazer o que essa pessoa quer, ou dizer não viola os seus direitos?
Autoridade – A outra pessoa é responsável por me dizer o que fazer?
Relacionamento – O que essa pessoa está pedindo de mim é apropriado para meu relacionamento com ela?
Metas – No longo prazo, vou me arrepender de dizer não?
Dar e receber – Eu devo um favor a essa pessoa? (Ela faz muito por mim?)
Tarefa de casa – Eu sei ao que estou dizendo não? (A outra pessoa tem clareza em relação ao que está sendo pedido?)
Momento – Devo esperar um pouco antes de dizer não?
Depois, soma-se a pontuação. Quanto mais próximo de 10, mais intensamente devemos negar o pedido. Podemos nos orientar para as seguintes sugestões para cada score:
1 – Faça a tarefa sem que alguém solicite.
2 – Não reclame; faça com alegria.
3 – Faça, mesmo sem sentir alegria.
4 – Faça, mas mostre que preferiria não fazer.
5 – Diga que preferia não fazer, mas faça elegantemente.
6 – Diga não com confiança, mas reconsidere.
7 – Diga não com confiança; resista para ceder.
8 – Diga não com firmeza; resista para ceder.
9 – Diga não com firmeza; resista, negocie.
10 – Não faça.
É claro que esse jogo é uma orientação e nem sempre vai estar perfeitamente ajustado à situação. Por esse motivo, podemos, mesmo depois da soma, consultar nossa mente sábia para tomar a decisão final. Depois de um tempo aplicando esse exercício, fica muito mais fácil identificar quando negar um pedido ou convite.
Enfim, não precisamos adaptar totalmente nossa comunicação, desde que consigamos manter nosso posicionamento de forma assertiva, tendo clareza do que queremos e/ou do que está ao nosso alcance. Espero que esse exercício possa te ajudar tanto quanto vem me ajudando.
Este texto é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Cecília Rodrigues Vidor
Referência
LINEHAN, M. M. Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia dialética comportamental para o paciente. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2018. 422 p.