Desde criança, sempre tive vontade de conhecer outros idiomas. Quando ainda estava no Ensino Fundamental, tive a oportunidade de aprender inglês e já tinha a intenção de explorar outras línguas no futuro. Esse objetivo se concretizou recentemente, ao ter a chance de estudar outros idiomas que me interessam, como o alemão. Essa experiência tem me feito refletir sobre o modo como nos comunicamos.
Ao longo da minha graduação em Psicologia, fui compreendendo o papel da linguagem e dos idiomas na construção das culturas humanas, e como essas, por sua vez, influenciam na formação do repertório comportamental dos indivíduos. Desse modo, fui entendendo como a linguagem está em tudo, inclusive “debaixo da pele”, quando pensamos e sentimos.
O Ted da psicóloga Lera Boroditsky sobre como a linguagem molda o jeito que pensamos (https://www.youtube.com/watch?v=RKK7wGAYP6k) se debruça exatamente sobre esses aspectos, apontando como cada língua cria uma forma diferente do sujeito enxergar a si mesmo e o mundo ao redor. Os exemplos de Boroditsky no vídeo são diversos, como a diferenciação de cores no russo em comparação ao inglês, a passagem do tempo para as diferentes línguas (e culturas) e a associação de objetos com adjetivos mais masculinos ou femininos de acordo com seu gênero gramatical.
O que quero enfocar aqui, entretanto, é sobre o sentimento. Talvez você já tenha ouvido falar sobre como a palavra “saudade”, presente no português, é intraduzível. Apesar de existirem controvérsias sobre a impossibilidade de traduzi-la, o fato é que há sentimentos fortes envolvidos na utilização desse termo, já que fomos treinados desde nossa infância pelas pessoas ao nosso redor a chamar de “saudade” o sentimento de tristeza nostálgica que surge quando estamos afastados de algo ou alguém por um tempo significativo. Assim como a “saudade” no português, existem palavras em diversas línguas que buscam explicitar sentimentos que, em outras línguas, precisam de uma maior descrição. Em alemão, por exemplo, há a palavra “Weltschmerz“, que visa explicitar um sentimento de tristeza diante das condições da existência humana e das injustiças do mundo. Mas será que nós, brasileiros (ou falantes de outras línguas que não o alemão) não sentimos um pouco de “Weltschmerz” de vez em quando, mas não temos as palavras para explicar? Como descrevemos as sensações corporais que nunca fomos treinados socialmente para nomear? E, mesmo se houver a palavra na língua portuguesa, como sabemos descrever uma emoção se nunca nos foi ensinado pelos nossos pares?
Ok, mas como isso tem a ver com as Terapias Contextuais? Uma das abordagens psicoterapêuticas contextuais, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), enfatiza a importância de entrar em contato com os sentimentos e sensações corporais e aceitá-los, em vez de tentar evitá-los ou lutar contra eles (Hayes, Strosahl & Wilson, 2012).Para a ACT, tanto a descrição quanto a percepção desses sentimentos e sensações estão intrinsecamente conectados com a linguagem e a cultura. Podemos pensar, por exemplo, que em certas culturas a descrição de sentimentos e pensamentos ocorre com mais frequência e abertura, enquanto em outras, a discussão de certas emoções é um tabu, ou a língua sequer possui palavras para descrevê-las. Tomando novamente a palavra alemã “Weltschmerz“, podemos pensar que ela encapsula uma emoção que pode ser comum para muitas pessoas. No entanto, se essas pessoas são falantes de uma língua que não possui palavra equivalente, será mais difícil descrever o que estão sentindo, ressaltando a relação entre a linguagem e a expressão e compreensão emocional.
A linguagem desempenha um papel crucial na ACT, pois incorpora a Teoria das Molduras Relacionais (RFT – Relational Frame Theory), uma teoria psicológica que explica como as pessoas desenvolvem a capacidade de compreender e usar a linguagem para se relacionar com o mundo ao seu redor (Torneke, 2010). Isso significa que, para a ACT, a linguagem não é apenas uma ferramenta de comunicação, mas também molda nossa forma de pensar e compreender o mundo. Rotular uma sensação interna como “ansiedade” em vez de “empolgação” pode ter um impacto significativo em nossa relação com essa sensação e em nossos comportamentos subsequentes. Da mesma forma, sentir “saudade” e não ter palavra equivalente para descrever (em outras línguas que não o português), também é capaz de mudar a relação do sujeito com a emoção que está experienciando.
A ACT destaca a importância de estarmos plenamente presentes e conscientes de nossas emoções, reconhecendo que nossa linguagem e cultura têm um impacto significativo em como percebemos e nos relacionamos com o mundo ao nosso redor. É fundamental estarmos atentos ao contexto cultural e linguístico que nos ensinou a nomear nossos sentimentos e estarmos abertos a aprender maneiras mais autênticas e assertivas de fazê-lo. Já parou para refletir sobre como a língua portuguesa influencia sua forma de lidar com suas emoções? Já refletiu sobre como você rotula as sensações corporais que experimenta?
Referências:
Hayes, S., Strosahl, K., & Wilson, K. (2012). Acceptance and commitment therapy: the process and practice of mindful change (2.ed.). Nova York, Estados Unidos: Guilford Press.
Torneke, N. (2010). Learning RFT: An introduction to relational frame theory and its clinical application. Oakland, Estados Unidos: New Harbinger Publications.
Este texto é de autoria da estagiária da equipe CEFI Contextus – Murilo Martins da Silva