O ser humano é falho e erra, todos nós erramos! Ufa… Mais uma vez, porque é importante: NÓS ERRAMOS!
Como você se sentiu lendo essa primeira frase? Talvez racionalmente você já saiba disso, ou pense que você é muito evoluído e não erra, mas imagino que a primeira opção seja mais frequente. Ainda assim, é doído quando erramos, não é mesmo? Vem um desconforto físico, uma vontade de voltar no tempo e não ter cometido aquele erro.
É difícil errar! Talvez essa declaração possa ir junto com a primeira: todos nós erramos e é difícil errar.
Eu gostaria de explorar um pouco essa experiência difícil e desconfortável que ocorre muitas vezes quando erramos. Provavelmente você se depara com emoções de culpa e vergonha.
E você sabe para que servem essas emoções? Vamos pegar a definição que a psicóloga Marsha Linehan apresenta sobre as funções da vergonha e da culpa (Linehan, 2017, p. 326):
“A vergonha organiza as respostas relacionadas com as características pessoais ou nossos próprios comportamentos que são desonrosos ou sancionados pela comunidade em que vivemos. Concentra-nos em esconder as transgressões e, se estas já forem públicas, em envolver-se em comportamentos direcionados para amenizar a situação.
A culpa organiza as respostas relacionadas a ações específicas que conduziram à violação dos valores. Concentra-nos em ações e comportamentos com probabilidade de reparar a violação.”
Olhando para essas definições, a culpa e a vergonha parecem bem ajustadas ao comportamento de errar, concorda? E isso é importante porque o ser humano é um ser social, logo termos emoções que nos ajudem a moldar o nosso comportamento para aumentar a probabilidade de sermos aceitos na nossa comunidade é fundamental para a nossa sobrevivência como espécie. Lembre-se que as suas emoções têm funções evolutivas que visam manter a sobrevivência da espécie motivando para ação e trazendo informações para você mesmo e para os outros.
Mas voltando um pouco no que falávamos anteriormente, a culpa e a vergonha são desconfortáveis, então, naturalmente, às vezes fazemos movimentos para tentar regulá-las (mas eles nem sempre são úteis). Então você pode se notar seguindo o impulso de pedir desculpas sem antes verificar se aquela emoção se ajusta à situação mesmo ou à forma como você interpretou aquela situação. Ou você também pode notar uma postura mais reativa contra o impulso dessa emoção, negando o seu erro ou invalidando o outro, que não deveria se sentir incomodado pela forma como você agiu.
É válido o impulso de querer regular a culpa e a vergonha, são desconfortáveis mesmo. Mas veja se é possível recuar um pouco, se permitir ficar um pouco mais com essa sensação e observar: o que está desencadeando a emoção? Qual é a situação? Qual é o dano que foi feito a mim ou ao outro? A partir dessa percepção, você pode escolher agir com consciência para tolerar a sua culpa, conter o impulso de pedir desculpas se você não gerou nenhum dano ou reparar de forma efetiva o dano gerado (na medida que for possível).
Quando eu falo em “reparar de forma efetiva”, quero dizer: observar o dano que aconteceu e o que você pode fazer para reparar ESSE dano. Vamos pensar num exemplo baseado em fatos reais: eu deveria ter escrito para este blog no dia 27/08. Se você sair daqui agora e olhar o feed do blog, verá que não houve nenhuma publicação nesse dia. O que aconteceu? Simplesmente esqueci que era a minha vez de publicar. Fico com um pouco de vergonha de escrever isso agora e, ao mesmo tempo, uma das minhas missões como ser humano e psicóloga é normalizar errar. Apesar de não ser um erro muito grave (mas não se preocupe que eu cometo erros graves também), temos um compromisso em equipe de publicar semanalmente no nosso blog e é importante que cada membro dessa equipe colabore para que isso aconteça. O dano foi gerado, dia 27 não tivemos postagem.
Sinto vergonha e culpa de ter esquecido. Mas se meu impulso for me diminuir com meus colegas e me colocar de uma forma mais frágil do que eu realmente sou com comentários do tipo: “Meu Deus, eu sou uma pessoa horrível, vocês deveriam me mandar embora”, talvez o primeiro movimento deles possa ser me reassegurar: “não Mari, tu não é horrível, aconteceu, acontece com todo mundo” porque meus colegas são pessoas cuidadosas. Ainda assim, isso não repara o dano que ocorreu.
Agora, imagine que cada erro que eu cometesse, eu novamente fizesse esses comentários de auto-invalidação. Provavelmente duas coisas ocorreriam: (1) eu começaria a acreditar, cada vez mais, que eu realmente sou uma pessoa horrível e incapaz, e (2) meus colegas ficariam saturados de ter que me consolar cada vez que eu errasse. Na realidade, uma terceira coisa aconteceria também: meus erros seguiriam lá, porque dizer que eu sou uma pessoa horrível não muda a realidade do erro que aconteceu. Porque já aconteceu!
Portanto, reparar erros de forma efetiva é eu ter uma ação que busque minimizar o dano que foi gerado, nesse caso, não ter feito a postagem do blog.
Nessa semana, a colega que postaria no blog hoje estava sobrecarregada com aulas e comunicou à equipe que não conseguiria fazer o blog. Eu vi ali uma oportunidade de reparar o meu erro com a minha equipe e ajudar a minha colega, aliviando sua sobrecarga de tarefas.
Esse texto é um reparo ao meu erro. E você, como tem reparado os seus erros?
Referência:
Linehan, M. M. (2017). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o terapeuta. Artmed Editora.
Fonte da Imagem de destaque: https://www.domestika.org/pt/blog/8629-tutorial-kintsugi-como-colar-uma-tigela-quebrada