Satisfação versus Conflito: desafios na comunicação

A comunicação é a forma que temos de atender às nossas necessidades e alcançar nossos objetivos, e sabemos que se comunicar não é tão simples quanto parece. Nos comunicamos de inúmeras formas, por meio de palavras — faladas, escritas, cantadas –, por sinais e desenhos; por expressões corporais e faciais; e até mesmo através do silêncio. Podemos dizer que é quase impossível não comunicar algo, em parte, por termos sempre alguém interpretando nossas ações e dando significado a elas. É válido lembrar que não precisamos ter a intenção de comunicar para fazer isso, e o receptor das mensagens transmitidas pode ser inclusive nós mesmos. Já lhe ocorreu de pensar “o que será que isso que eu fiz quer dizer,será que se eu fiz isso é porque não quero aquilo” na tentativa de interpretar o próprio comportamento?

Se a comunicação (ou a linguagem) é capaz de gerar uma “luta interna” contra nós mesmos, bem sabemos o quanto ruídos na comunicação interpessoal podem trazer dificuldades nas relações com outras pessoas, gerando até mesmo conflitos sem justificativas.  

Hoje em dia, há muitas técnicas de conversação, comunicação e resolução de conflitos, todas desenvolvidas para auxiliar os seres humanos a terem maior êxito em atender suas necessidades. A Terapia Comportamental Dialética (DBT) enfatiza a importância de alguns elementos da comunicação — desde a expressão das emoções (por gestos ou palavras) a dicas comportamentais para ter uma comunicação assertiva. Entende-se neste contexto que ser assertivo é alcançar um objetivo por meio de ações coerentes com os próprios valores (objetivos), ponderando a importância da relação na qual se está interagindo (relacionamento) e como espera-se sentir em relação a si mesmo depois daquela interação (autorrespeito). Colocar em hierarquia de importância esses três elementos (objetivos, relacionamento e autorrespeito) e agir com foco nessa hierarquia aumenta a probabilidade de nos sentirmos mais satisfeitos com nós mesmos após uma interação.

Seja para se ter clareza e regular as reações emocionais ou para se ter uma conversa na qual se busca a assertividade, a descrição é um ponto chave. Descrever, uma das habilidades de mindfulness da DBT, é pôr palavras na experiência, é distinguir fatos de interpretações, ou seja, diferenciar o que observamos através dos cinco sentidos daquilo que pensamos sobre o que observamos.

É muito fácil confundirmos nossos pensamentos com fatos, como pensar sobre como o cheiro do café é melhor que o gosto é equivalente a experiência de sentir o cheiro e o gosto do café, ou se uma mãe não dá presente de aniversário para um filho é sinal que ela não o ama. Não distinguir fatos das interpretações pode levar a restrições comportamentais como não tomar café por pensar que só gosta do cheiro, ou ainda, gerar reações emocionais como sentir-se muito triste por não ser amado pela própria mãe quando não recebe um presente. Este segundo exemplo poderia desenrolar em uma acusação “eu sempre soube que você nunca me amou”, na qual não ficaria claro para a mãe o que está se passando com o filho e possivelmente se sentiria atacada e também triste. Normalmente, quando há um ataque, há defesa, e este é um prato cheio para uma briga. Se o filho pudesse descrever os fatos: “não recebi presente de aniversário no dia do meu aniversário, noto que sinto tristeza, noto o pensamento de que não sou amado”, possivelmente o próprio poderia verificar os fatos, lidar com sua emoção, compreender o que ela lhe fala e teria a chance de expressá-la de forma assertiva. Quando se está em uma interação na qual algo importante deve ser conversado, descrever os fatos ajuda para que o outro(s) visualize(m) ou compreenda(m) o que se quer expressar ou pedir, como se nivelasse a relação de modo que todos os lados pudessem ver o mesmo cenário ou falar a mesma língua. Isso pode reduzir a intensidade ou surgimento de um conflito, como: a mãe ao ouvir a descrição do filho, poderia ter empatia pelo sentimento dele, expressar seus sentimentos, contar os fatos que levaram a não entrega de um presente, e lhe dar amor.

Assim como qualquer outra habilidade que desejamos desenvolver, para se ter mais precisão e desenvoltura em descrever, o treino é fundamental. Talvez seja importante salientar que só não podemos descrever aquilo que nunca observamos, no mais, a prática é o caminho.    

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Sobre o Autor
Maria Eduarda D. de Alencastro

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