Nas Sombras do Final de Ano

Enfim chegou o verão e, com ele, festas de final de ano. Celebrações laicas e religiosas se agrupam com eventos sociais, despedidas e encerramentos. Para boa parte da população também são chegadas as férias. Não é nada raro que também se aproximem viagens planejadas ansiosamente por todo o ano. Assim, é uma época de muita alegria.

Ou não é?

Não tenho intenção de dizer que o consultório psiquiatrico é um local que representa o funcionamento geral de uma população. Existe um viés. Ainda assim, é interessante que observemos como estão as pessoas deste contexto especial neste momento, pois podem dar idéias sobre o que acontece com a população.

A grande maioria das pessoas tem, claro, algum grau de desejo por pelo menos alguns desses eventos mencionados acima. Mas existe ambivalência. Também existem diversos sentimentos negativos relacionados.

Algumas das dores mencionadas são cobranças com os planejamentos feitos pro ano que não foram realizados, distância de pessoas queridas, saudade de pessoas que já perderam, um sentimento de cobrança com o ‘estar bem’ demandado pelo mundo ao redor(novelas, filmes, redes sociais, propagandas televisivas, etc) e a culpa de não estar atingindo essa felicidade, somado com o cansaço do final do ano, preocupações financeiras para poder atender a todas essas demandas e, no momento atual, medo da piora da pandemia com as festas de final de ano e carnaval somado à nova variante e brigas por política. Existem outros.

Assim, é importante lembrar que o ser humano não é guiado por um vetor emocional único. É mais provavel que diversos vetores emocionais estejam presentes, com direções diversas e intensidades variáveis, e nem sempre o que se observa é um único vetor resultante. Diversas topografias comportamentais, ou seja, diversas maneiras de sentir, pensar e agir podem estar presentes. É algo comum e humano da ambivalência.

Agora, vamos frisar o aspecto mais importante: isso que estou falando é uma descrição. Não é um problema a ser resolvido. A complexidade é uma parte fundamental da experiência humana.

Uma paciente uma vez me disse que não sentia o menor desejo de ir na festa de natal da familia, mas que todos a estavam pressionando. Funcionou como uma regra, pois ela achava que de fato deveria ir no evento. “Isso é diferente de um atestado para o trabalho”, ela me disse. Eu me questionei em que, e trouxe essa dúvida para ela, que não soube me responder. “Você gostaria de um atestado para não ir na festa de natal?”. Ela aceitou minha proposta, e ainda pediu para acrescentar que deveria permanecer em casa vendo filmes e comendo sorvete. Foi flexibilizada uma regra… ou talvez só tenha sido substituida por outra.

Uma solução mais verdadeira parte daquilo que é mais importante, e nem sempre está claro para a pessoa o que é importante para ela. Repouso e auto cuidado podem parecer muito com isolamento. Fazer um esforço para encontrar os familiares pode ser muito semelhante a fazer algo que não quer por uma regra, ou para agradar. Temos que entender o que está acontecendo funcionalmente, e se a decisão está alinhada com aquilo que é fundamentalmente mais importante.

“O que a pessoa que você quer ser faria neste momento?”

Memórias de pessoas que já se foram podem ser importantes explorações neste sentido. Objetivos deixados para trás também. O que existe de agradável ou desagradável nos eventos, e como foi a vida financeira neste ano, que agora ficou mais apertada? Muitas questões úteis e importantes surgem nesses momentos de conflito e certa angústia.

Afinal, todo fim é uma morte, e dessa surge um rearranjo para um renascer.

Desejo a todos um final de ano corajoso e conectado com aquilo que é de mais valor.

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Sobre o Autor
Emmanuel Kanter

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