Mamãe, você me ama? Curso para pais e familiares de quem tem desregulação emocional.

A Terapia Comportamental Dialética (Dialectical Behavioral Therapy – DBT) foi elaborada por Marsha Linehan e é um tratamento que tem a mais extensa validação científica para auxiliar pessoas com problemas severos e que possuem desregulação emocional. Esta é definida como dificuldade ou inabilidade de lidar ou processar as experiências emocionais (Leahy, 2013). Como consequência, as pessoas podem ter comportamentos que atentam contra a vida, automutilações, transtornos alimentares, dependência de substâncias psicoativas, etc. É uma forma de tratamento multimodal, ou seja, envolve psicoterapia, treinamento de habilidades comportamentais em grupo, treinamento de familiares ou outras pessoas da comunidade, manejo de emergências, coaching telefônico e reuniões de equipe de tratamento.

No que se refere ao treinamento de pais e familiares, a maioria dos cuidadores tem uma sobrecarga emocional intensa. O objetivo é auxiliá-los, pois muitas vezes não entendem determinados comportamentos de seus parentes com desregulação emocional e podem ter reações inapropriadas ou nocivas. Por exemplo, ao ver um filho ameaçar se cortar, um familiar pode se desregular ainda mais e agredir verbal ou fisicamente. Além disso, é muito comum a família ter pouca fonte de apoio e receber informações inadequadas, tanto de outros parentes, quanto de profissionais que não estão capacitados para este trabalho específico. Ainda é comum o parente se sentir invalidado pela família extensa, por amigos e por si mesmo, com a ideia de que não é um bom/boa pai/mãe devido aos comportamentos do/a filho/a.

Uma metáfora utilizada para quem tem desregulação emocional é como se fosse uma pessoa alérgica emocionalmente, isto é, tem alta sensibilidade diante de situações nas quais outras pessoas não teriam e demora mais tempo para retornar ao estado de calmaria. E a emoção é sentida de uma forma muito mais intensa. Consequentemente, os comportamentos também são intensos (por exemplo a automutilação) na tentativa de aliviar a carga emocional. Quem convive com estas pessoas não compreende e, muitas vezes por desconhecimento, termina por invalidar o que a pessoa está sentindo. Por exemplo, super simplificando a dificuldade do outro para resolver problemas, respondendo com alta ativação negativa às falhas e fracassos, impondo expectativas irrealistas, mantendo padrões perfeccionistas. E outras vezes, diante de tanto estresse, o familiar pode piorar uma situação de crise, desregulando-se também. Em última instância, todos ficam altamente desgastados.

Muitas vezes o resultado é isolamento da família num padrão de interações e emoções negativas, cujo resultado é uma família cansada e emocionalmente desregulada. O curso para familiares propõe o aprendizado de habilidades para entender a desordem e melhorar a qualidade da relação. As habilidades envolvem o conhecimento de Consciência Plena (ou Mindfulness), Regulação Emocional, Validação, Efetividade Interpessoal, Psicologia Comportamental, Estratégias de Solução de Problemas e Aceitação Radical.

Uma habilidade muito importante é a de Validação. Esta se refere a encontrar um fundo de verdade na perspectiva da outra pessoa, reconhecendo que emoções e pensamentos têm sua razão de ser. Por exemplo, não validar o comportamento problemático (como gritar), mas validar o que é válido, como o sentimento (a raiva que a pessoa estava sentindo). É uma potente ferramenta de comunicação que diminui a reatividade emocional do outro. Nós não percebemos o quanto invalidamos, a todo momento, uns aos outros. É muito comum olharmos somente para o que está errado, querer uma mudança, mas falar acusando e gritando…

Outra habilidade essencial deste trabalho é a Aceitação Radical. A DBT parte do princípio de que a aceitação e a mudança estão numa relação dialética. Podemos lembrar a Oração da Serenidade que propõe coragem para mudar o que pode ser mudado, aceitação para o que não pode ser alterado e sabedoria para saber a diferença. Há situações na vida, por exemplo, uma doença psíquica num parente, que não podemos mudar… mas podemos modificar a forma de lidar com ela. A partir daí outras mudanças podem acontecer. É importante lembrar que deixar de brigar com a realidade e aceitá-la tal qual é, muitas vezes, requer uma ação de escolha. É poder observar os pensamentos e emoções e, ainda assim, persistir no caminho eleito fazendo o que realmente é necessário em cada situação.

Por fim, segue um exemplo, na realidade um presente, de uma mãe participante do grupo. No final do curso, por ser próximo do Natal, fizemos uma brincadeira de Amigo Oculto, cujo presente seria uma frase de validação. Uma das participantes deu o livro Mamãe você me ama? (Barbada Joosse, 1995) de presente para a outra, marcando o seguinte trecho:

 

Mamãe você me ama? Barbada Joose. Tradução: Gilda de Aquino

Mamãe você me ama?

Claro que amo, minha querida.

Quanto?

Amo você mais do que o corvo ama seu tesouro, mais do que o cão ama sua cauda, mais do que a baleia ama seu esguicho.

(…)

E se eu jogasse água na nossa lamparina?
Aí Minha Querida, eu ficaria muito zangada. Mas, ainda assim, amaria você.

E se eu fugisse?
Aí, eu ficaria preocupada.

(…)

E se eu virasse um urso-polar e fosse o urso mais bravo que você já viu, e tivesse dentes brilhantes e afiados, e perseguisse você até sua tenda e você chorasse?

Aí, eu ficaria muito espantada e com muito medo.
Mas, ainda assim, dentro do urso, você seria você, e eu amaria você.
Amarei você, eternamente e para sempre, porque você é Minha Querida.

O curso se encerrou com muita emoção e todos com a certeza de que a Aceitação e a Validação abriram os caminhos para uma vida familiar com mais compaixão, proximidade e esperança de dias melhores, pois dentro de cada um, tanto dos filhos quanto dos pais, está sua essência, natureza e o profundo desejo de ser amado como se é.

 

 

 

 

 

 

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Sobre o Autor
Mara Lins
CRP 07/05966 Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (UNISINOS). Mestre em Psicologia Social (PUCRS). Especialista em Terapia de Casal e Família (CEFI). Treinamento em Terapias Comportamentais Contextuais. Treinamento em Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy-IBCT) com Andrew Christensen e sua equipe. Professora e Supervisora de cursos de pós-grad... ver mais

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