Flexibilidade Psíquica e Abertura Radical

Dentro do “sol” da ciência comportamental contextual existem abordagens que orbitam mais próximas, como a Terapia de Aceitação e Compromisso, e outras um pouco mais distantes. Digo isso não por um caráter de superioridade e sim por características mais integrativas. Um exemplo notório é a Terapia Comportamental Dialética, em razão do quanto esta bebe em outros modelos, como por exemplo o modelo da Terapia Cognitivo Comportamental e a filosofia Dialética (uma visão compatível e complementar à filosofia Contextualista Funcional, porém não idêntica). Esta terapia – a Terapia Comportamental Dialética – foi desenvolvida para pessoas com quadros de desregulação emocional (transtorno de personalidade borderline, transtornos aditivos, suicidalidade crônica, comer compulsivo ou bulimia) mas com evidências para outros quadros com características em comum.

Enquanto isso, um terapeuta dessa abordagem percebeu a quantidade e gravidade de sofrimento emocional em uma população antagônica a essa: a população com transtornos associados com excessivo controle (exemplos: anorexia nervosa, transtorno de personalidade obsessivo compulsivo, transtorno do espectro autista), e desenvolveu uma variação da terapia para essa população – a Terapia Comportamental Dialética de Abertura Radical (Radically Open Dialectical Behavior Therapy – RODBT).

Todavia, em uma primeira observação, pode parecer haver uma redundância desta com a Terapia de Aceitação e Compromisso, cujo foco é a flexibilidade psicológica. O objetivo dessa postagem é, então, elucidar as semelhanças e diferenças dessas duas abordagens.

A diferença fundamental dessas abordagens é como entendem o problema central. A Terapia de Aceitação e Compromisso entende que o núcleo da psicopatologia é a Inflexibilidade Psicológica. Isso já nos dá uma pista de que ela não visa apenas a pacientes rígidos. Entende também que algum grau de falta de variabilidade e mecanismos de manejo são parte central de qualquer transtorno emocional, mesmo os de desregulação, ou de pessoas que estejam no centro desses dois pólos. Enquanto isso, a RODBT foca em um problema característico da população sobrecontroladora: a solidão, resultante da baixa abertura emocional, da percepção exagerada de sinais de perigo e de uma sinalização social deficitária. Assim, embora algumas de suas habilidades sejam úteis para outras populações, a abordagem foi desenvolvida para estes casos de sobrecontrole emocional tão intensos quanto os casos de desregulação emocional da T. Comportamental Dialética Standard. Enquanto isso, a Terapia de Aceitação e Compromisso é uma abordagem transdiagnóstica que entende praticamente qualquer quadro patológico como resultante de inflexibilidade psicológica, e mesmo populações sem patologias puramente psíquicas.

Essas diferenças têm como causa a base teórica de ambas – enquanto a Terapia de Aceitação e Compromisso se baseia em princípios comportamentais e na RFT (modelo contextualista funcional de entendimento da linguagem e cognição humana), a RODBT se baseia em outras pesquisas. São áreas de contribuição também as neurobiológicas (em especial neurônios espelho e respostas emocionais), a comunicação verbal e não verbal, a função das emoções, a evolução no contexto da coletividade humana (“tribo”). Essas bases teóricas diferente se traduzem em mecanismos de mudança diferentes – foco em presente momento, aceitação, contato com valores, desfusão cognitiva, self como contexto e ação comprometida, no caso da Terapia de Aceitação e Compromisso; e abertura radical, sinalização social e auto-investigação sistemática no caso da RODBT.

Essa auto investigação sistemática, por sinal, é uma introdução técnica particular ao ‘conjunto da obra’ do mindfulness – um método de auto questionamento derivado não da introspecção aberta, mas sim de perguntas realizadas a si, buscando áreas ‘marginais’. E o objetivo não são boas respostas, mas sim boas perguntas. Todavia formas mais conhecidas de mindfulness, em especial bondade amorosa, estão também presentes.

Em razão de características específicas da população, uma ênfase na ruptura da aliança terapêutica como sendo uma coisa positiva, e com ferramentas específicas para detectá-la e repará-la, é outra característica que diferencia a RODBT das demais terapias. É claro que um bom terapeuta pode detectar e manejar esses eventos, mas é interessante que seja parte do treinamento formal de quem pretende atender essa população, além da ideia central de ser um “embaixador da tribo” para acolher o paciente de volta, ensinando como relaxar, ser leve e mesmo ser um pouco bobo, aprendendo a lidar com conflitos não como algo para afastar, e sim como algo que pode ser reparado aumentando a intimidade. Por outro lado, há um cuidado no uso de termos como “aceitação”, tão presentes na Terapia de Aceitação e Compromisso, pois na população sobrecontrolada é frequente o valor de “aguentar” o sofrimento, tolerar o mal estar de maneira exagerada, e vê acusar sofrimento, pedir descanso ou ajuda como falhas. É claro que não é este o significado real de Aceitação, mas o cuidado com isso deve estar presente.

Essas habilidades – relaxar, ser leve, um pouco bobo, sinalização social – são ensinadas em sessão com terapeuta ou em um grupo de habilidades similar ao da Terapia Comportamental Dialética. Isso é parte integral da abordagem e não um complemento eletivo.

Assim, resumindo, a RODBT diferencia-se da Terapia de Aceitação e Compromisso por ter habilidades específicas, tanto em grupo quanto na terapia individual, com objetivos também claros e distintos de mudança na sinalização social e na auto investigação, de sua estrutura, sua utilização de entendimento neurocientífico e suas estratégias na relação terapêutica focando detecção e intervenção precoce nas rupturas da aliança terapêutica. Todavia, isso não quer dizer que essas abordagens sejam incompatíveis, e sem dúvida pode haver benefício para o paciente quando o terapeuta domina ambas.

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Sobre o Autor
Emmanuel Kanter

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