Um Sujeito de Sorte

Quando iniciar psicoterapia? Diferentes circunstâncias levam as pessoas à buscarem ajuda psicológica neste período do ano: “não quero ficar ansioso como no ano passado”; “a pessoa com quem eu vivo me pediu e este ano eu irei”; “não aguento mais sentir esta dor no peito”; “os outros não me entendem”… Essencialmente, as pessoas tem um objetivo (explícito ou não) ao buscar ajuda psicológica: querer melhorar.

Não é fácil melhorar. Talvez você já tenha tentado diferentes formas de fazer e saiba disso.  Por um curto momento até funciona, mas depois, sem se dar conta, você volta a repetir o que estava fazendo. É comum isso acontecer. Se fosse fácil melhorar, provavelmente os consultórios de psicologia estariam ocupando o mesmo lugar das locadoras: um ambiente com poucos frequentadores e com um futuro incerto pela frente.

Psicoterapia requer investimento e relutamos em investir um momento para potencializar a nós mesmos. Não digo que esta seja a única maneira de usar o tempo para si. Longe disso. Uma conversa com um amigo, conhecer uma pessoa nova, ler um livro, ver um bom filme, escutar uma música são diferentes formas de investir naquilo que faz sentido para nós. No entanto, quando esquecemos deste sentido que tais atividades tem para nós, acabamos por perder a consciência daquilo que nos move e nos faz viver.

Nosso humor muda, ficamos mais ranzinzas, as pessoas da nossa volta notam que ficamos diferentes. Começamos a dizer mais não para as coisas que poderiam nos gerar alguma satisfação ao dizer sim. Ir para casa e descansar se torna a única forma de viver. Não estamos dispostos para fazer algo diferente. Nosso corpo vai para casa, mas a nossa mente segue trabalhando “você deveria ter ido na academia”, “ você deveria ter ido à casa da sua mãe”,“você não podia ter dito isso no trabalho”… infinitos pensamentos que trazem outros e que geram um sentimento cada vez mais pesado, doloroso.

Não é necessário acontecer um grande evento para que você e seu humor mudem. Quando isto ocorre, vamos atuando de maneira que não temos consciência. Achamos que é normal dizer não. Achamos que estamos certos. Entramos numa caverna escura que o nosso mundo interno nos convida e nos esquecemos de levar a lanterna junto.  Quando nos damos conta, não sabemos como entramos ali , nem como podemos sair.

Pode ser que uma mão amiga te diga “por que você não procura um psicólogo?”. Você pensa e lembra que uma vez conheceu um. Lembra inclusive que pensou “ele está me analisando” e inclusive disse isso para ele, e ele educadamente disse que não. Ainda assim, lembra que não acreditou nele. “Por que pagar para ser analisado?” “O que ele irá pensar de mim?”Será que ele vai resolver meus problemas?”E se ele fica sabendo que uma vez eu…” e, outra vez, a mente começa a trabalhar. Diria que é inevitável pensar isso sobre psicólogos. Acho que alguma vez lá no começo eu também pensei.  Pensamos isso desde uma perspectiva com a qual não estudamos o que os psicólogos estudam.

Me resulta e seguirá me resultando uma certa curiosidade escutar os estigmas que os psicólogos carregam consigo. Normalmente quando me falam “você está me analisando?” são em momentos que eu menos espero. Posso estar ali querendo ser querido com a pessoa, mas por algum motivo ela me lembra do meu trabalho. A peculiaridade de ser um analista 24h por dia me cansa só de pensar. Às vezes ocorre inevitavelmente da mente do psicólogo ser treinada para enxergar desde um ponto de vista da teoria estudada. Esta teoria não ensina a ler mentes, saber o que está acontecendo com a pessoa sem conhecê-la, saber o que você fez no verão de 2018…Obviamente que estes pensamentos são afirmações exageradas que as trago aqui apenas para mostrar um outro ponto de vista: um psicólogo faz justamente o contrário.

A psicologia ensina como se constrói o indivíduo, trazendo entendimento sobre a conduta humana. Se entendemos que cada pessoa tem sua própria história de vida e é única por isso, compreendemos que diferentes formas podem levar ela a agir desta maneira hoje. É como se estivéssemos olhando a capa de um livro que não lemos. Apenas vemos ali o título do livro. Não temos conhecimento sobre a biografia da pessoa que está na frente, porque não tivemos a oportunidade de ler este livro. Não conhecemos o gênero, a categoria, os temas que o descrevem e os que o incomodam, quais são difíceis de recordar e quais não e os que preferíamos nem os ter colocado ali. Só vemos uma capa e entendemos que ali há uma história, uma biografia particular. O trabalho do psicoterapeuta em serviço seria o de aprender junto com a pessoa que está ali enquanto paciente a ler e compreender as partes do livro que geram mal estar hoje sobre uma nova perspectiva, construir e seguir escrevendo o livro que ela quer para a sua vida. Os capítulos que ela quer colocar. Os temas que ela quer ter. Um livro que tenha significado para a pessoa

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Seguindo metaforicamente, um trecho de uma música toca na minha mente quando uma pessoa me procura para psicoterapia, mesmo que ainda não a conheça. Acho que ela representa o que a pessoa busca ali. “Tenho sangrado demais, tenho chorado pra cachorro, ano passado eu morri, mas esse ano eu não morro”. Quem nunca teve um ano que parece que deu tudo errado, um ano ruim? Era isso que Belchior queria dizer com “morrer” no ano passado. Ele ainda diz na mesma música, de maneira não menos brilhante, “e assim já não posso sofrer no ano passado”. É evidente. Não sofremos mais no passando, todavia a nossa mente que traz o sofrimento para o presente. “Sujeito de sorte” é uma música que traz todo o otimismo de que o sofrimento passou e ele não irá seguir comigo no momento presente. Sujeito de sorte somos nós que temos a psicologia para ajudar a viver a vida que queremos. 

https://www.youtube.com/watch?v=IICn0oM52zE

 

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Sobre o Autor
Equipe Contextus
A equipe CEFI Contextus é formada por profissionais de Psicologia e Psiquiatria que iniciou treinamento amplo e aprofundado em Terapias Comportamentais Contextuais desde o ano de 2013. Desenvolve tratamentos psicoterápicos utilizando abordagens como FAP, ACT, DBT e IBCT. Sua atuação se volta a auxiliar as pessoas a estarem presentes em suas próprias vidas, a aceitarem que o sofrimento faz parte... ver mais

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