A Terapia Comportamental Dialética (DBT) é uma abordagem terapêutica que se baseia em princípios a partir dos quais se pode agir para ajudar pessoas com dificuldades relacionadas à maneira como vivem e lidam com suas emoções para que tenham vidas melhores. Os três pilares em que a Terapia Comportamental Dialética se sustenta são a filosofia dialética, o zen e a psicologia comportamental. Na intersecção desses princípios citados, constrói-se uma formulação teórica abrangente e ao mesmo tempo precisa que fundamenta a atuação flexível dos terapeutas. O caminho para encontrar esse equilíbrio entre abrangência e especificidade é a profundidade da reflexão que fazemos sobre o que acontece com as pessoas e o que pode ser feito para ajudá-las. Para ser um bom terapeuta DBT, não basta aprender técnicas, é preciso refletir sobre a realidade e adotar um ponto de vista muito especial que permita manifestar uma atitude de efetividade compassiva em relação às pessoas que sofrem e buscam ajuda. Uma maneira pela qual essa reflexão ocorre é pelo estudo e discussão de alguns pressupostos sobre os pacientes e a terapia.
Pressupostos são noções subjacentes a um sistema lógico que são tomadas como verdadeiras independente de comprovação. Aqui tomaremos como sinônimos os termos pressuposto, postulado e axioma para nos referirmos a esses elementos fundantes de uma construção teórica da qual derivamos aplicações técnicas. Eles são a base a partir da qual se faz possível construir um sistema de proposições lógicas coerentes. No campo da terapia, conhecer e refletir sobre os pressupostos permite que a teoria e a prática estejam em harmonia e uma se aperfeiçoe a partir da outra.
Minha proposta para hoje é apresentar alguns dos pressupostos da DBT e compartilhar reflexões que me ocorrem sobre cada um deles. De modo algum considero que minhas reflexões toquem alguma verdade absoluta ou representem o entendimento mais correto da teoria. O que compartilho é o jeito como tenho entendido esse ponto de vista teórico e filosófico até então, que resultou do estudo e prática que venho fazendo da melhor maneira que posso ao longo dos últimos anos. Em última análise, são somente ideias que me parecem úteis quando aplicadas a minha própria vida e à atuação clínica; úteis ao ponto de me soar interessante compartilhá-las. Torço para que sejam tão úteis para quem as estiver lendo quanto são para mim.
As pessoas querem melhorar.
Aqui, partimos de uma noção de motivação que se estende a todos os seres vivos: buscamos aquilo que nos faz bem e nos afastamos daquilo que nos faz mal. Quando um inseto que ficou trancado do lado de dentro da sua janela fica insistentemente batendo contra o vidro, ou quando se lança em direção a uma chama acesa ou lâmpada, não é porque quer sofrer, é porque instintivamente busca algo que lhe é benéfico. Assim também é conosco. Todos queremos viver bem e livres de sofrimento, mas os caminhos que vamos aprendendo ao longo da vida não são necessariamente os melhores possíveis.
As pessoas fazem o melhor que podem.
Para entender esse postulado, vamos seguir com o raciocínio sobre os caminhos que trilhamos na direção daquilo que nos faz bem. O postulado pelo qual iniciei é um pouco mais fácil de aceitar, pois parece evidente que ninguém deseje de verdade sofrer. Mas é possível que este outro pressuposto provoque um certo estranhamento à primeira vista, pois se todos estivessem fazendo o melhor que podem, não estaríamos todos sofrendo bem menos? E quando temos a impressão de que alguém não está dando seu melhor para uma situação desafiadora, de onde isso vem? Para compreendermos o sentido e a utilidade dessa ideia de que as pessoas fazem o melhor que podem, precisamos entender um pouco da visão de mundo da DBT e das Terapias Comportamentais de modo geral. Considera-se, numa perspectiva comportamental, que uma ação não pode ser entendida separada do contexto em que ocorre. Nesse caso, contexto tem dois principais significados: primeiro, a situação atual , em seus aspectos internos, como o estado fisiológico do organismo e em seus aspectos externos, como as características do ambiente em que se está. O segundo significado de contexto se refere à história da pessoa, às circunstâncias nas quais ocorreram todas as suas outras ações até então. O contexto histórico vai determinar a probabilidade de que alguns padrões de ação se repitam diante de certos aspectos do contexto situacional, porque de algum modo funcionaram no passado. Chamamos isso de história de aprendizagem. Quando dizemos que as pessoas fazem o melhor que podem, estamos nos referindo ao efeito da história de aprendizagem nos padrões de ação atuais: as pessoas fazem o que sabem fazer, aquilo que aprenderam ao longo da vida que funcionaria em uma ou outra situação. Quando considero que uma pessoa que está deprimida e não sai de casa está fazendo o melhor que pode, estou considerando que, dada sua história de aprendizagem, esse padrão de ação atual é o que faz mais sentido para ela na situação em que está.
As pessoas devem aprender novos comportamentos e praticá-los em todos os contextos relevantes.
Aqui, complicamos as coisas ainda mais: se as pessoas querem melhorar, e fazem o melhor que podem, então por que teriam de aprender novos comportamentos e padrões de ação? Isso não estaria em contradição? A resposta breve é: não há contradição aí porque o mundo é dinâmico. As coisas mudam. Nossa capacidade de aprender novos comportamentos na interação com o meio nos deu uma grande vantagem evolutiva na medida em que permitiu que nossas ações fossem mais maleáveis. Nós humanos não temos de ficar restritos a padrões fixos instintivos. Porque aprendemos, não somos autômatos, e porque não somos autômatos, somos capazes de nos adaptar a uma infinidade de situações rapidamente. Se temos essa capacidade de aprender, cabe a nós fazer o melhor uso possível dela. Cada nova situação que vivemos, cada instante que passa é uma oportunidade de aprender, de atualizar nossos padrões e de nos tornarmos mais efetivos para construir uma vida com menos sofrimento para nós e para os outros. Fazemos o melhor que podemos com o que tivemos até agora, mas o momento presente sempre nos traz algo novo, e esse melhor que podemos pode se tornar ainda melhor, ou pelo menos mais variado.
As pessoas precisam ser melhores, tentar mais e/ou estar mais motivadas para mudar.
O fato de que o mundo muda constantemente pode ser visto a partir de diferentes perspectivas. Duas delas nos são úteis para compreender esse postulado de que as pessoas precisam melhorar e estarem dispostas a mudar. Primeiro, podemos considerar o ponto de vista de que, ao experimentar uma realidade em constante transformação, temos oportunidades praticamente infinitas de usar nossa incrível capacidade de aprendizagem para expandir nosso repertório. Nesse ponto de vista, a mudança constante nos dá possibilidades, e essas possibilidades podem ser fundamento de um entusiasmo com a transformação de nossos próprios padrões. Também podemos encarar a mudança constante de outra perspectiva: a de que somos constantemente desafiados e, se não aprendermos a mudar com o mundo, nos tornamos inefetivos. Em um mundo que muda, nossos padrões aprendidos em circunstâncias diferentes tendem a deixar rapidamente de produzir os efeitos que antes produziam, assim nossa transformação é uma necessidade constante para continuarmos sintonizados com o ambiente. É como na história de Alice no país do espelho, de Lewis Carrol, em que a Rainha diz a Alice que naquele país, as pessoas precisam correr para permanecer no mesmo lugar. Assim, o que podemos depreender desse postulado em combinação com os demais é que se queremos viver bem, temos a necessidade de nos aperfeiçoarmos constantemente na arte de viver. E, se reconhecemos as oportunidades que constantemente se apresentam de nos tornamos melhores do que éramos antes, cada instante passa a ser percebido como um chamado a colocarmos em ação e desenvolvermos nossas virtudes a serviço de nosso bem-estar e daqueles que nos são importantes.
As pessoas podem não ter causado todos os seus problemas, mas precisam resolvê-los de qualquer maneira.
Não se trata de, com esse pressuposto, exaltar um individualismo e uma doutrina de responsabilização pessoal que ignora as demais variáveis que influem na vida das pessoas. Trata-se de reconhecer o fato de que as coisas que acontecem não deixam de nos atingir porque não fomos os causadores delas. E tudo o que nos atinge passa a se tornar nossa responsabilidade. Queiramos ou não, o mundo se impõe e nos demanda respostas constantemente. Se estou andando à beira de uma piscina em um dia frio de inverno e alguém me joga na piscina, não é minha culpa que eu esteja passando frio, mas preciso fazer algo com isso pois a realidade do sofrimento se impôs naquele momento e me demanda uma resposta. Qual resposta, em que variáveis vamos concentrar nossa ação responsável é uma questão em aberto, mas não há questionamentos aqui sobre o tema de que o meu sofrimento e minha felicidade me dizem respeito e tenho de me implicar diretamente na construção das condições para que a vida seja melhor.
A vida de pessoas com desregulação emocional é insuportável na forma como é vivida.
Quando falamos em desregulação emocional, estamos nos referindo a um processo hipotético que explicaria o sofrimento psicológico que muitas pessoas apresentam e que se manifesta na forma de problemas de relacionamento, transtornos psicológicos e orgânicos e até mesmo na busca por terminar a própria vida (você pode ver mais detalhes sobre o assunto neste outro texto). O surgimento e manutenção dessa condição está relacionado a uma transação entre fatores sociais e orgânicos que dificultam o desenvolvimento e utilização de repertórios efetivos de autorregulação. Os desdobramentos desse fenômeno que chamamos de desregulação emocional são muitos e graves. Diante disso, precisamos assumir que as pessoas podem estar verdadeiramente vivendo no inferno quando chegam à clínica, e que antes de tudo necessitam de que alguém reconheça e se interesse pela dor que sentem, e que se esteja disponível para ajudar a encontrar um caminho para atenuar essa dor. Assim podemos auxiliar na construção de condições para a felicidade que talvez sempre tenha sido tão rara em suas vidas.
As pessoas não fracassam no tratamento.
Por fim, temos o pressuposto de que o tratamento é um caminho complexo, que integra tudo o que já falamos até agora e muito mais. Em face de tal complexidade, e aceitando os pressupostos sobre os quais refletimos até aqui, sabemos que o tratamento pode falhar, e é inviável a conclusão de que uma falha no tratamento possa ser atribuída inteiramente à pessoa que busca ajuda. Sucesso e fracasso no tratamento são fenômenos complexos e reconhecer tal complexidade é a condição para que os fracassos possam nos ensinar o caminho dos sucessos.