Você já parou para pensar que, mesmo quando está distraído, sua atenção está em algum local? Ela não tem propriamente um intervalo, um buraco, onde ela deixa de existir. Podemos não estar “atentos sobre a atenção”, quer dizer, estar tão engajados em uma situação onde nossa atenção está que não existe mais uma separação entre nós e a coisa, estamos um pouco grudados naquilo. Isso pode se chamar estado de flow, mas a descrição também serve para distrações. Ambos são estados perfeitamente normais de funcionar.
Outro estado perfeitamente normal de funcionar é perceber essa separação, por assim dizer. É estar carregando, um pouco, essa lembrança “eu estou aqui olhando para o teclado que estou usando para digitar um texto para o blog da equipe Contextus”, etc.
Entre tantos estados perfeitamente normais, o que pode ser ruim?
Existe um ditado que fala “quando você tem um martelo, tudo na frente parece prego”. Quer dizer, se somos bons com um tipo de funcionamento, ele pode surgir em muitos contextos diferentes. Nem sempre é a ferramenta adequada para o momento. Admirar um pôr do sol requer algum grau de desligamento analítico – apenas observar. Se ficamos muito esclarecidos que estamos vendo um filme, perdemos uma das características mais gostosas do entretenimento, que é a imersão.
Do outro lado da moeda, em muitos momentos é útil lembrar que nós temos um ponto de vista, que as coisas não são absolutas, que se eu vejo algo assim, diz respeito a mim. Que o que eu sinto é algo que está dentro da minha pele, que posso compartilhar, mas não transmitir. E que o que eu faço é responsabilidade minha, também. Uma resposta a estímulos, ou seja, ‘dicas’ ao meu redor, que sinalizam que devo fazer algo. Meu histórico e temperamento me dizem o que é que devo fazer, e se no passado, em situações parecidas, fazer coisas parecidas me trouxe respostas boas ou ruins.
Quando eu me vejo muito fixado, muito distraído, ou muito certo de que estou na posição correta, ou seja, que meus pensamentos, sensações, ações, são o certo, são a verdade absoluta, isso me afasta das conexões, me afasta da possibilidade de perceber o que pode melhorar, ou seja, me afasta de ser flexível. Ironicamente, às vezes, para ser flexível, tenho que ter algum grau de estrutura, de rotina. Por exemplo, analogicamente, um iogue tem que treinar alongamentos diariamente para ser flexível, progredir na sua flexibilidade.
Nós também precisamos treinar diariamente a flexibilidade do ponto de vista!
Na perspectiva da Abertura Radical existem algumas práticas de atenção plena que visam ajudar com essa flexibilidade. E a habilidade focada em eu me lembrar que estou aqui, que percebo, que as coisas são o meu ponto de vista, se chama Continuum Atencional.
Continuum nada mais é do que algo que continua, que é perene, um gradiente entre aqui e lá. Não intervalos discretos, pontos em uma curva, mas a continuidade. Como afirmei acima, a atenção não para – mesmo no sono. Podemos ter uma percepção distorcida do tempo quando em situações anômalas, mas não uma interrupção absoluta.
Então, como eu pratico me manter presente com minha atenção enquanto ela vai de objeto a objeto, de pensamento a pensamento, de sensação em sensação, sem parar?
Em quatro passos simples:
Passo um, O ponto de vista. Antes de mais nada eu afirmo para mim mesmo – e para os outros, se for o caso de eu compartilhar minha prática – que todas as minhas percepções partem de mim. Não é uma verdade absoluta, não é o certo. “Não vemos o mundo como ele é – vemos o mundo como nós somos”, lembra? Então eu começo falando apenas isso – “Eu”.
Passo dois, o ato radical de perceber. Este marca a diferença entre estar distraído e estar deliberadamente lúcido daquilo que é percebido e da impressão de ser um observador. “Eu percebo que…”.
Passo três, o meio pelo qual conecto com um objeto sensorial, cognitivo, imaginativo, mnemônico, etc. Existem várias ‘modalidades’ desse eu perceber o mundo. Por exemplo, “Eu percebo que sinto…”, “Eu percebo que vejo…”, “Eu percebo o pensamento…”. Classicamente, também, podemos nos ater a “sensação”, “emoção”, “imagem” e “pensamento”. O que for mais útil.
Passo quatro, aquilo que está servindo de objeto. Agora esse objeto pode ser visto como tal, e não como uma verdade, porque está no fim de uma cadeia de descrição precisa do que está ocorrendo. Ao invés de pensar “Lentilhas são horríveis”, e ficar furioso que alguém está saboreando lentilhas ao meu lado, eu penso (e posso falar) “Eu percebo a sensação ruim quando como lentilhas”. Existe um abismo incomensurável entre essas duas maneiras de lidar com a informação. “Eu percebo o pensamento de que essa pessoa está comendo algo ruim”. Não é mais um fato – é um pensamento meu, percebido por mim. Muito mais maleável.
Como sempre, para integrar uma habilidade na sua vida, é preciso treinar deliberadamente. Tire cinco minutos por dia durante uma semana para praticar. Deite, sente, qualquer coisa, e ponha um alarme de cinco minutos. Durante esse tempo, delibere prestar atenção sobre onde sua atenção está, e descreva – em voz alta, se ajudar – onde ela está usando esses quatro passos. “Eu percebo a sensação física do sofá”. “Eu percebo o pensamento de que fazer isso é engraçado”. “Eu percebo a emoção de vergonha quando me escuto falando”. “Eu percebo a imagem mental de alguém entrando aqui e me olhando”. “Eu percebo a percepção do meu despertador tocando”.
Ao término da prática, siga sua vida normalmente. Não se julgue ao se distrair durante a prática, apenas use os quatro passos para descrever o que está acontecendo agora.
Pode ajudar fazer essa prática de maneira breve em outros momentos, pode funcionar também como uma forma cuidadosa de auto-revelação emocional. E essa habilidade também pode surgir espontaneamente, se for treinada regularmente, quando é necessária, ou seja, quando me vejo muito grudado em algum conteúdo e isso atrapalha minhas relações ou meu aprendizado.
Faça essa prática e deixe um comentário contando como foi!