Semana passada ficaram definidos todas as seleções classificadas para a Copa do Mundo da Rússia 2018. A Copa vem se aproximando e juntamente a mídia esportiva começa a contar fatos históricos de Copas passadas. Em um destes fatos, o comentarista esportivo explicou como foi introduzido os cartões vermelho e amarelo nos campos de futebol.
A história basicamente é a seguinte: antes dos cartões, quando um jogador realizava algum tipo de infração dentro de campo, o árbitro precisava advertir de maneira interpretativa e verbal, o que normalmente causava confusão quando as seleções de diferentes países se enfrentavam. Na Copa do Mundo de 1966, no jogo entre Inglaterra e Argentina, o capitão da seleção argentina exigiu um intérprete ao fim do primeiro tempo, já que o juiz havia advertido três jogadores argentinos no jogo. O árbitro alemão entendeu os gestos do jogador como um xingamento e resolveu expulsá-lo. O capitão argentino não quis sair de campo, o que gerou uma confusão generalizada entre ingleses, argentinos e o alemão, fazendo com que o argentino fosse retirado de campo por soldados. Desta forma, a FIFA percebeu a necessidade de criar uma regra para acabar com o problema. Usando o conceito de cores dos semáforos de trânsito, foram então introduzidos os cartões amarelo e vermelho na Copa do Mundo de 1970.
Sim e… o que isso tem a ver com psicologia? Dentro dos muitos campos da psicologia (ver mais aqui), a teoria da aprendizagem refere-se à punição como um efeito real sobre o comportamento, e no contexto deste texto, a punição é a consequência que diminui a probabilidade de recorrência do comportamento que ocorreu antes da consequência. Assim, a arbitragem usa dos cartões para qualquer infração que ocorrer dentro de campo. No entanto, o que me chamou atenção foi o uso dos cartões para relacionar simbólicamente uma infração numa partida de futebol. Poderia ter sido qualquer outro objeto. O curioso é que também criamos cartões em nossas vidas.
Através da linguagem, alguns movimentos que podem ser considerados de cuidado, de proteção, podem ser transformados em motivos de angústia e sofrimento. Se tratando do lado obscuro da linguagem, qualquer coisa pode se tornar uma fonte de dor. Um estímulo que não tem características físicas similares à atual fonte de perigo, e que nunca foi associado anteriormente com isso, ainda assim pode adquirir sua função emocional aversiva através da linguagem.
Mesmo quando alguém simplesmente te diz “não te preocupa” pode acabar resultando num ataque de pânico, pois pode vir uma lembrança de algo relacionado simbolicamente a isso. Nossa história está com a gente, não importa onde a gente for. Não há um lixo em nossa mente onde podemos arrastar o conteúdo para ele e simplesmente acabar com o evento vivenciado. Seres humanos são capazes de trazer ao momento presente qualquer evento do passado através das relações simbólicas.
Uma simples ação à qualquer hora e lugar do dia pode nos levar a uma lembrança difícil por algumas pequenas pistas/chaves contextuais. Sobre o ponto de vista da RFT (Relational Frame Theory), uma resposta psicológica ou fisiológica resultantes de uma conversa sobre eventos significativos fazem sentido, pois as relações simbólicas são bidirecionais – se A=B, então B=A. Assim, se um evento desencadeia emoções dolorosas, então o estímulo de relação de equivalência com o evento vai desencadear emoções dolorosas quando chaves contextuais estão presentes para evocar estas funções.*
Estas chaves contextuais são comuns dentro de sessões clínicas e estar atento a elas pode ser um importante acesso a questões importantes do cliente dentro do consultório. Se temos em mente nossas relações simbólicas e esquecemos dos processos criados pelo paciente durante sua história de vida, podemos estar faltando com empatia e não comprender o que realmente passa com a pessoa que está diante da gente. Em termos de RFT, adotar o ponto de vista de outra pessoa é uma resposta relacional baseada na tomada de perspectiva e controlada por chaves contextuais de Eu-Você (interpessoal), Aqui- Lá (espacial) e Agora-Então (temporal). Essas pistas são chamadas de quadros deíticos (entende-sequadro como uma metáfora para demonstrar a relação), pois são ensinadas através de demonstrações. Sem habilidades de tomada de perspectiva, nós não podemos sentir empatia. Numa linguagem RFT, a capacidade de sentir as emoções de outra é uma transformação de funções que depende da capacidade de ver o mundo desde outro ponto de vista.
Empatia muda o que acontece quando nós vemos e sentimos o que os outros sentem. Desta forma, podemos compartilhar, em algum nível, o seu ponto de vista. Humanos são animais sociáveis. Para funcionar bem, nós precisamos entender uns aos outros, cuidar uns dos outros e sentir o que é ser como a outra pessoa. Estas habilidades não são inteiramente simbólicas, mas predominantemente são. Estar aberto e curioso para as relações simbólicas de outras pessoas nos conecta. Podemos treinar de diferentes formas. Aqui, fica o convite para que você treine a tomada de perspectiva de outra pessoa. Com pessoas próximas fica mais fácil, mas podemos fazer com quem não conhecemos também, apenas temos que ser um pouco mais imaginativos. Quando terminar este texto, olhe para a primeira pessoa que encontrar e pense: o que estará sentindo, pensando ou motivando a pessoa a estar fazendo isto que ela está fazendoneste momento?
- *a linguagem não nos faz lembrar apenas de eventos do passado, também pode amplificar simbolicamente o evento, sendo doloroso ou de prazer (ver mais em Dougher, Hamilton, Fink & Harrington, 2007)
- Referências base para o texto:
- Villatte, M., Villatte, J. L., & Hayes, S.C (2016). Mastering the Clinical Conversation: Language as Intervention. The Guilford Press: New York.
- McHugh, L., & Stewart, I (2012). The Self and Perspective Taking: Contributions and Applications from Modern Behavioral Science. Context Press: Oakland, CA.
- Ramnerö, J., & Törneke, N. (2008). The ABCs of Human Behavior: Behavioral Principle for the Practicing Clinician. Context Press: Oakland, CA.
- Dougher, M. J., Hamilton, D., Fink, B., & Harrington, J. (2007). Transformation of the discriminative and eliciting functions of generalized relational stimuli. Journal of the Experimental Analysis of Behavior Analyst, 33, 97-117.
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