Por alguns segundos. Li-te-ral-men-te “vida que segue”. Vidas que não se escapam pelos dedos. Uma noite quente. Três colegas voltando do trabalho. Um cruzamento, dois carros e um motorista embriagado. Uma colisão. Os piores segundos: entre perder o controle do carro e sentir que ele parou. (ops, agora, escrevendo, meu telefone toca. Uma pausa neste texto). Era ele, “o rapaz de ontem”(sic). O “rapaz” nasceu na década de 40 (minha mente irônica e raivosa toma voz nestas aspas). Pediu perdão, acolhi como pude.
As horas e os dias seguintes – uma enxurrada de pensamentos. “Que bom que sigo aqui. Inteira. Sem rasgos, sem partes quebradas. Sem limitações. Ao menos não “a olho nú”. Éramos eu e eles, indefesos, o carro pego de surpresa e aqueles segundos vendo o muro em frente se aproximar. Impotentes. Ufa. Estou aqui. Estão aí. Estamos bem. Trememos. Estamos assustados e agradecidos. Li-te-ral-men-te “vida que segue”.
Noto meus pensamentos enquanto (d) escrevo a última terça à noite. “Estou exagerando? Vão me julgar enquanto eu falar disto? Vão ter dificuldade de me escutar, vão me pedir para ‘superar’?” Com meu olhar mais compassivo, consigo traduzir um pedido para parar de falar no assunto como uma expressão de que “é difícil lidar com a ideia de não te ter aqui, por favor não fala mais disso”, e também penso de mim mesma “que drama”” com minhas lentes julgadoras. Mente julgadora? Quem não as têm? “”Atire a primeira pedra”. O movimento é notá-la e não fazer com ela o que ela faz com nossa experiência (e com a dos outros).
Gratidão. Gratidão e mais gratidão à “vida que segue”. Gratidão à minha mente julgadora que tenta me proteger do jeito que consegue, “obrigada mente”!! Gratidão às pessoas que me pedem para não falar, que manifestam do jeito como podem o quanto se importam comigo e o quanto valorizam minha vida…às pessoas que vieram ver se estávamos bem, que ofereceram seu tempo, seus dados e seus contatos naquele momento de vulnerabilidade. Nesta última semana, olhei, “cafunguei” e abracei meu sobrinho caçula com ainda mais alegria. Ele fisicamente, e todos os outros 4 por ele ali representados. Olhei, toquei e estive com meus “coroas” com ainda mais presença. Desfrutei a companhia presente e os pés quentinhos do Rafa ao meu lado. Agradeci por ver o reflexo do sol nas folhas das árvores e no mar. Escutar seu som. Sentir o vento na pele e meus pés no chão, aqui neste mundão.
Foi isto. Desculpem o tema, eu não poderia “falar” sobre outra coisa neste texto. Ponto final.
Pronto, de fora do texto agora, posso nomear valores, agradecendo as experiências e a continuidade da vida e das relações. Posso nomear ações comprometidas após o susto. Posso nomear estado de mindfulness, atenção ao aqui e agora, ao momento presente. Posso nomear desfusão: olhando meus pensamentos como pensamentos. Identificar minha mente compassiva e minha mente julgadora. Descrever minha experiência interna. Por hora, escolho encerrar por aqui e seguir. “Vida que segue”, agora até um pouco mais viva e atenta graças a esse momento.
(a seguir, uma contribuição do colega Lucas Schuster ao ler o texto, que gostei e gostaria de compartilhar aqui): “É incrível como cada experiência pode ser uma oportunidade de aprendermos sobre nós e sobre a vida não é? De fora do texto, de fora da experiência, ver como viver algo aterrorizante pode ajudar a avançar mais na direção de contatar o momento presente mais plenamente, como um ser humano consciente, capaz de mudar ou persistir em comportamentos com base no quanto servem ou não aos próprios valores, isto é, na direção da flexibilidade psicológica”.
A tua narração me transportou para o local em que ocorreu o acidente e me levaste a viver contigo aqueles momentos.
É um alerta e um convite a valorizar cada instante da nossa existência. Num zás, tudo pode terminar
Tu estás sempre comigo, pai. Obrigada por tanto. Beijo!!