Um paciente me relatou esta semana que, movido pela fome, buscou preparar um alimento rápido. Foi interrompido por uma pessoa próxima, que interviu com promessas de uma experiência gastronômica superior. “Não é necessário”, disse o paciente, “Quero apenas comer qualquer coisa rápida, pois estou com bastante fome”. Este suplicio foi ignorado, gerando afastamento a partir de uma intenção do outro de cuidar.
Numa brincadeira, uma colega me disse em aula que eu deveria dar um curso de elogios. Me chamou a atenção o fato que, em relações mais íntimas, fico com a sensação de que nem sempre consigo expressar claramente que sim, eu valorizo.
Então decidi explorar o que foi que tornou os elogios bem sucedidos naquela situação. Uma colega disse em outro momento estar preocupada com a sua idade. Outra, se olhava na câmera arrumando os cabelos. O professor, uma pessoa que conheço, por vezes teme não estar sendo claro por não ter o português como língua mãe. É claro que para nenhuma dessas pessoas a minha opinião acerca dos assuntos é determinante. Mas quando elogiei justamente o pontos citados, acredito que se transmita uma outra mensagem muito poderosa: “Eu olhei para você, eu ouvi você, eu me abri para você, e, a partir dessa abertura, usei minha capacidade de tomada de perspectiva para tentar me por no seu lugar, enxergar o que é importante para você”.
Essa busca por conexão é atendida imediatamente.
Dessa reflexão decorreu outra: por que é mais difícil expressar esse tipo abertura em ambientes íntimos? Qual medo pode estar atrapalhando essa abertura? Somos orientados por toda a cultura que as pessoas que realmente gostam conhecem as outras, sabem o que elas gostam, o que importa para elas. Mas será que isso nos torna telepatas? Será que, se entendermos errado o que uma pessoa amada precisa, isso significará para nós – e para estas – que não a ouvimos de fato, que não demos a ela nossa total atenção? O medo de errar e sinalizar algo diferente do que gostaríamos, me parece, cria um escudo de não arriscar. Mas com esse escudo vem o contrário do que queríamos – o distanciamento. Nos abrindo à tentativa, certamente virão erros. Mas com estes erros virão aprimoramentos das nossas habilidades e, mais ainda, a possibilidade de nos comunicarmos com franqueza, e a sinalização de que queremos, sim, nos abrir e nos comunicarmos. O erro, diz o ditado, é a mãe do acerto.
E talvez as boas intenções nesses casos, se acompanhadas de uma abertura para ouvir, sejam sim, o suficiente.
É possível cuidar do outro, claro, elogiá-lo. Mas é importante se perguntar se é aquilo que a pessoa quer, ou se dar aquele cuidado é algo que eu quero. Afinal, quando estamos famintos, também estamos vulneráveis à irritabilidade, e quem poderá censurar comportamentos que disso decorrem?