Nas rotinas apressadas e nas exigências do cotidiano, muitos casais se veem desconectados emocionalmente, mesmo vivendo sob o mesmo teto. Uma das razões mais comuns para essa distância é a falta de conhecimento sobre os anseios mais profundos um do outro — aquelas aspirações silenciosas, valores não ditos, dores não compartilhadas e desejos que moldam quem somos e como nos relacionamos.
Por que isso importa tanto?
As terapias comportamentais contextuais, como a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), a Terapia Focada na Compaixão (CFT) e a Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT), convergem em uma ideia poderosa: relações significativas são aquelas em que há espaço para a vulnerabilidade compartilhada e a validação mútua das dores e valores.
Steven Hayes, um dos criadores da ACT, destaca que a evitação dos conteúdos internos — como medos, inseguranças e sonhos — promove a inflexibilidade psicológica e compromete a intimidade relacional (Hayes et al., 2012). Quando um casal não explora essas camadas mais profundas, a relação corre o risco de ficar centrada em comportamentos de superfície, reações automáticas e jogos de controle.
As transformações que esse processo promove
Conhecer os anseios do outro (e expressar os próprios) exige coragem, presença e escuta. Mas os frutos são profundos:
- Aumento da empatia e da compaixão recíproca: Quando entendemos a história por trás do comportamento do outro, nos tornamos mais compassivos. Isso é central na CFT, que propõe que o sofrimento compartilhado pode ser transformado em vínculo seguro (Gilbert, 2010).
- Redução de conflitos evitáveis: Muitas brigas recorrentes têm raízes em necessidades não verbalizadas. Conhecer essas raízes permite lidar com os conflitos de forma mais sábia e construtiva.
- Fortalecimento da identidade relacional: A IBCT fala da importância de reconhecer o padrão do casal e o papel que cada um ocupa na manutenção de uma dificuldade (Christensen, Doss & Jacobson, 2020). Quando há esse reconhecimento, abre-se espaço para mudanças mais sustentáveis.
- Reconexão com valores comuns e individuais: A ACT ensina que viver de acordo com os valores é o que, mesmo em meio à dor, dá sentido à vida. No casal, isso se traduz em cultivar objetivos compartilhados sem perder a individualidade (Harris, 2019).
- Necessária coragem para realizar autorrevelação de aspectos vulneráveis, pois há medo de ser punido pela outra pessoa ao abrir seus anseios e dores mais profundos. Mas o fato é que ao conseguirem dar-se este tipo de abertura, com respeito e validação, pode-se chegar à maior intimidade e conexão entre a parceria (Kohlenberg & Tsai, 1987).
Como começar?
- Espaços de escuta segura: Criar momentos regulares em que cada um possa falar sobre seus medos, sonhos, frustrações, sem julgamento ou conselhos imediatos.
- Perguntas que abrem o coração: O que você mais teme perder? O que dá sentido à sua vida? Que tipo de pessoa você gostaria de ser nessa relação?
- Realizar terapia de casal baseada em aceitação e compaixão: Buscar ajuda profissional pode ser um caminho eficaz para explorar essas dimensões com apoio técnico e sensível.
Conclusão
Conhecer os anseios mais profundos de quem amamos não é apenas uma prática romântica: é um ato de compromisso ético com a verdade emocional da relação. É caminhar juntos com consciência, coragem e amor mesmo em territórios incertos. O fato é que não é preciso eliminar a dor para viver bem — mas é preciso escolher viver com presença, abertura e direcionamento.
Referências
Christensen, A., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2020). Integrative behavioral couple therapy: A therapist’s guide to creating acceptance and change (2nd ed.). Norton.
Gilbert, P. (2010). The compassionate mind: A new approach to life’s challenges. New Harbinger Publications.
Harris, R. (2019). ACT made simple: An easy-to-read primer on acceptance and commitment therapy (2nd ed.). New Harbinger Publications.
Hayes, S. C., Strosahl, K. D., & Wilson, K. G. (2012). Acceptance and commitment therapy: The process and practice of mindful change (2nd ed.). Guilford Press.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1987). Functional analytic psychotherapy. In N. S. Jacobson (Ed.), Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral perspectives (pp. 388-443). Guilford Press.