A TERAPIA DE ACEITAÇÃO E COMPROMISSO PARA CASAIS: UMA POSSIBILIDADE DE OLHAR AS RELAÇÕES CONJUGAIS

            A Terapia de Aceitação e Compromisso (Acceptance and Commitment Therapy-ACT) recebe seu nome devido à uma de suas mensagens centrais: aceite (accept) o que está fora de seu controle pessoal e comprometa-se (commit) a realizar aquela ação (take action) que enriquece a sua vida. Um dos pilares da ACT é a visão de que a luta das pessoas contra o sofrimento humano é o que as adoece. A ACT não objetiva reduzir o sofrimento humano. A finalidade da ACT é ajudar a criar uma vida rica, plena e significativa, ao mesmo tempo em que aceitamos a dor que a vida inevitavelmente traz, dando espaço para aspectos desagradáveis, ajudando as pessoas a fazerem contato com outra forma de conhecer o mundo (Hayes, Strosahl & Wilson, 2003; Hayes, 2004; Hayes & Strosahl, 2004).

       A ACT está baseada numa teoria da linguagem e cognição humanas denominada Teoria das Molduras Relacionais (Relational Frame Theory – RFT). Parte do pressuposto de que as pessoas podem aprender a aceitar suas emoções e se desprender do sentido literal de seus pensamentos, de maneira que não tenham um impacto psicológico significativamente negativo, mesmo que estes pensamentos e emoções sigam acontecendo. Em vez de mudar a forma ou frequência das emoções e pensamentos, propõe mudar a função dos mesmos (Hayes, 2004; Dahl et al., 2013).

        Um dos principais objetivos da ACT é desenredar as pessoas de suas “mentes”. Por exemplo, um casal que esteja em crise, a mente de um dos membros pode ficar produzindo diversos pensamentos: “Nossa relação é muito difícil… Eu não aguento mais esse casamento! Por que não faz o que quero? Tudo parecia tão bom no início. Por que me rejeita? Talvez eu não esteja pronto pra casar. Sou tão só… Talvez eu deva ficar com alguém que me respeite… Vou checar no facebook…” E o casal pode ficar preso no conteúdo destes pensamentos, sem alternativas para sua situação.

    Sendo assim, a principal habilidade é a flexibilidade psicológica, ou seja, a habilidade de ser/estar no presente momento com completa consciência e abertura à a experiência, mudando ou persistindo no comportamento, guiado por seus valores. A ACT propõe seis processos básicos:

1º) Aceitação: Fomentar a aceitação e a disposição enquanto se abre mão do controle emocional e da evitação dos eventos privados entendidos como fontes de sofrimento;

2º) Desfusão: Enfraquecer os processos baseados na linguagem que promovem a fusão, fornecem razões desnecessárias e avaliações inúteis (isso pode fazer com que as experiências privadas funcionem como barreiras psicológicas às atividades vitais);

3º) Momento presente: Viver mais no momento presente, entrando em contato mais plenamente com o fluxo da experiência à medida em que ela acontece;

4º) Eu Contexto: Entrar em contato experimental, ou seja, observar a distinção entre ‘eu conceito’ (aquilo que a pessoa pensa que é) versus ‘eu contexto’(ter a ciência de que se é mais do que se pensa que é), para se obter um local no qual a aceitação de eventos privados é menos ameaçadora;

5º) Valores: Identificar as questões importantes para a pessoa, as quais legitimariam o enfrentamento de barreiras psicológicas anteriormente evitadas para seguir em direção ao que é fundamental para sua vida;

6º) Ação comprometida: Padrões de comportamentos que sejam consistentes com os valores.

       E como seria pensar esta abordagem para as relações conjugais? Parte-se do princípio de que a flexibilidade no casal propicia a aceitação, a intimidade e a discriminação dos eventos privados que oportunizam o discernimento das emoções e pensamentos e, consequentemente, a escolha dos comportamentos (Walser & Westrup, 2009; Walser, 2015).  As questões para os casais se focam no tipo de relacionamento que querem construir e na observação do que estariam evitando. Por exemplo: Vocês podem observar o que está no seu caminho? Com o quê estão fusionados? O que estão evitando? Quais ações ineficazes estão tomando para solucionar suas questões? Estas ações estão funcionando?

1º) Aceitação: Observar que não há relacionamento ideal, que não somos perfeitos, que é possível ter um relacionamento satisfatório mesmo com os sofrimentos que a vida impõe.

2º) Desfusão: A proposta é observar os próprios pensamentos com curiosidade, compreendendo que podem não ser verdades absolutas, somente vê-los pelo o que são: pensamentos. Ambos parceiros têm ‘fábrica de palavras’ que podem levá-los para fora do curso. É fazer distinção entre a mente e a experiência. Qual a consequência da polarização, quando cada um se fixa na sua opinião? É possível mudar a forma de falar, por exemplo, ‘minha mente traz o pensamento…’ ou ‘Experimento o desejo de sair daqui agora…’ Por fim, pode-se tentar um reenquadre do problema, por exemplo, cada um pode imaginar que o outro(a) é um professor: o que estaria aprendendo com isso?

3) Momento Presente: O casal se fazer presente para si e para o outro, observando a vida no aqui-e-agora. Especialmente nos momentos de conversa, visto que a escuta efetiva reflete no sentimento de ser reconhecido e aceito. Independentemente de concordar ou não com o conteúdo, pois abrir mão dos próprios pensamentos somente no momento da escuta é um presente para o outro.

3º) Eu Contexto: Estar consciente de que o experimentador é diferente do quê se experimenta. Observar que se pode entrar e sair de determinados papeis, sendo mais do que as questões verbais, o sentido de ‘Eu’ na relação.

O Outro Como Contexto: O(a) parceiro(a) também é mais do que a mente pensa (ou etiqueta) que ele(a) é. Pode-se compreender determinadas condutas ao examinar as histórias de aprendizagem de cada um, vendo o parceiro como ser humano num contexto histórico e situacional

4º) Valores: São específicos de cada relação e devem ser definidos claramente, refere-se ao que desejam defender no relacionamento. Por exemplo, o seguinte exercício poderia auxiliar a discriminar os valores do casal: “O que você gostaria que seu(sua) parceiro(a) dissesse sobre você no seu funeral?”

5º) Ação Comprometida: De natureza comportamental, são as ações concretas que direcionam para o que é importante, independentemente dos eventos privados. Reforça a aceitação como uma classe de respostas, ou seja, mesmo com tudo o que se pensa e sente, pode-se realizar a conduta escolhida, como uma bússola em direção ao parceiro(a) que se quer ser.

            Por fim, cada um pode perguntar a si mesmo: “que tipo de parceiro(a) eu quero ser? Se eu fosse quem quero ser, eu estaria fazendo…” Isto reforça que a mudança genuína está nas mãos de cada um (e não esperar que o outro mude), podendo tomar medidas guiadas pelo que é importante, dando um pequeno passo para ser o parceiro(a) que deseja ser.

Referências

Dahl, J. Stewart, I.  Martell, C.  Kaplan, J. (2013). ACT & RFT in Relationships. Oakland: New Harbinger Publications.

Hayes, S.  Strosahl, K., & Wilson, K.  (2003) Acceptance and Commitment Therapy an Experiential Approach to Behavior Change. New York: The Guilford Press.

Hayes, S. C. (2004). Acceptance and commitment therapy, relational frame theory, and the third wave of behavioral and cognitive therapies. Behavior therapy35(4), 639-665. doi: 10.1016/S0005-7894(04)80013-3

Hayes, S. C., & Strosahl, K. D. (2004). A practical guide to acceptance and commitment therapy. New York: Springer Science & Business Media.

Walser, R., & Westrup, D. (2009). The Mindful Couple – How Acceptance and Mindfulness Can Lead to the Love You Want. Oakland: New Harbinger.

Workshop com Robyn Walser:  Terapia de Aceptación para el trabajo con parejas.  Outubro de 2015 em Buenos Aires (AR).

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Sobre o Autor
Mara Lins
CRP 07/05966 Psicóloga. Doutora em Psicologia Clínica (UNISINOS). Mestre em Psicologia Social (PUCRS). Especialista em Terapia de Casal e Família (CEFI). Treinamento em Terapias Comportamentais Contextuais. Treinamento em Terapia Comportamental Integrativa de Casal (Integrative Behavioral Couple Therapy-IBCT) com Andrew Christensen e sua equipe. Professora e Supervisora de cursos de pós-grad... ver mais

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