Pode ser que você já tenha ouvido falar que terapias contextuais costumam ser mais focadas no aqui e agora, no momento presente, fazendo uso de estratégias oriundas de diversas tradições contemplativas, para treinar essa habilidade de se conectar ao momento presente como um dos meios de promover qualidade de vida. Mas isso não significa, somente, que os terapeutas contextuais poderão usar com frequẽncia recursos de mindfulness ou mesmo técnicas de meditação como ferramenta clínica. A realidade é que o desenvolvimento da habilidade de voltar a atenção ao momento presente e reconhecer o que acontece à medida que acontece é um dos elementos centrais da prática terapêutica. Isso porque a terapia é basicamente um contexto que visa promover autoconhecimento para gerar liberdade, e aprender a dirigir a atenção e reconhecer os estímulos presentes é uma condição importantíssima para expandir o autoconhecimento.
Do que estou falando quando me refiro a voltar-se ao momento presente? Trata-se de direcionar intencionalmente a atenção ao que está ocorrendo neste instante. É escolher se concentrar no momento atual, reconhecendo da forma mais aberta possível tudo o que experimenta, ainda que sejam produtos da mente que tragam informações de momentos vividos ou imaginados, ou de locais outros que não este em que se está. É se abrir à experiência de encontrar esses conteúdos mentais aqui e agora no momento em que ocorrem. Como uma ação de reorientação, voltar-se ao momento presente envolve reconhecer o que está sendo foco da atenção, e nisso reconhecer também aquilo que não estava sendo foco da atenção e, a partir daí, poder escolher para onde levará o foco.
E para que serve esse treino? Quando aprendemos a nos reorientar ao presente, aprendemos a criar um espaço para a decisão entre agir e não agir, abrindo oportunidades para a escolha do melhor modo de agir, e para um conhecimento mais profundo das relações entre nossas ações e o contexto no qual elas ocorrem. Estamos, assim, mais aptos a reconhecer as ligações entre o que antecede e o que sucede cada ato em nossa vida, momento a momento. Treinar em psicoterapia a habilidade de se voltar ao momento presente favorece que a pessoa reconheça com suficiente precisão as determinações sociais, históricas e situacionais que influem em seu comportamento, de modo que ela mesma reconheça também as possibilidades de ação que lhe deem condições de modificar tais determinações de uma maneira positiva. A partir dessa habilidade, podemos perceber mais e mais camadas no complexo processo de influenciação mútua entre nossas ações e o ambiente. Nos ajuda a reconhecer melhor as causas de nossos comportamentos, sejam eles ações externas, sentimentos, pensamentos e tudo mais que está compreendido pela palavra comportamento.
Além de nos colocar em melhor condição de conhecer, também podemos agir melhor ao aprendermos a estar mais conscientemente aqui e agora, pois nesse treino nos tornamos mais hábeis em ocupar plenamente o único local e momento em que podemos influenciar conscientemente a cadeia causal em que estamos inelutavelmente envolvidos. A verdade é que sempre estamos influenciando essa cadeia causal, de um modo ou outro, uma vez que não é possível não se comportar, sendo cada comportamento o contexto para o que vai ocorrer logo em seguida e assim sucessivamente. Mas podemos nos comportar de formas mais ou menos automáticas. Quando vamos buscar terapia, é porque de algum modo esperamos que, mudando a maneira de agir ou de reconhecer o que acontece no mundo, vamos atingir uma melhor qualidade de vida, e pode ser que essa mudança envolva reconhecer e desfazer alguns automatismos em nossa conduta. A psicoterapia pode ser, então, um contexto no qual aprenderemos a influenciar as cadeias causais que envolvem nossos comportamentos de uma maneira mais consciente, refletida e intencional. rompendo automatismos que não nos beneficiam.
O processo de reorientação ao aqui e agora permite discriminar as múltiplas camadas dos eventos que mantém nosso sofrimento e daqueles que geram felicidade em nós e nos demais. A partir da familiarização com essa habilidade, pode ser que percebamos que basta uma respirada antes de responder para que a vida conjugal já se beneficie; que uma pergunta a si mesmo ou a outra pessoa já inaugura novas rotas de ação mais benéficas. Podemos perceber que nos deparamos em momentos com a ausência de alternativas, que realmente não sabemos fazer outra coisa diferente e por isso os resultados não têm sido diferentes, e que é preciso aprender coisas novas. É possível ainda que percebamos que há alternativas mas elas não dependem tanto de nós quanto achávamos ou gostaríamos – e que teremos de mudar de um foco individual para algo mais amplo – o ambiente em que estamos interagindo. Pode ser até que nos deparemos com a total ausência de alternativas para mudar ou eliminar algo que nos faz sofrer, reconhecendo porém que é possível mudar a forma como respondemos ao sofrimento quando vem.
Boa parte do que fazemos na psicoterapia é, portanto, um convite sempre renovado a voltar-se para o presente para se tornar mais apto a agir de modo consciente. Na terapia primeiro, porque é onde estamos treinando; e depois na vida toda que é onde mais importa. É algo mais ou menos nessa linha: Veja, escute, sinta. Você está aqui e agora. Isto importa. Importa o que está experimentando neste momento, importa quais lembranças ou receios lhe surgem agora, importa como experimenta seus impulsos neste instante. Importa como se enxerga aqui e que histórias conta sobre si mesmo agora, e importa como, diante de tudo isso que está aqui e agora, você quer agir ou não agir no momento presente. Você está aqui e agora, e o que lhe ocorre? O que quer fazer disso tudo que está presente? Lembre-se do caminho para estar aqui e agora, pois é neste mesmo espaço e tempo, aqui e agora, que você estará quando estiver na entrevista de emprego, na conversa com a família, ou no momento decisivo no seu trabalho. E é deste mesmo aqui e agora, que se renova a cada instante ao longo da vida, que você poderá escolher desistir ou recomeçar; que poderá optar entre tensionar ou relaxar diante da dor, que poderá escolher falar ou calar diante da oportunidade. Momento após momento, sempre há uma nova oportunidade de estar aqui e agora. Tomar consciência e escolher dentre as possibilidades que se abrem mediante a contemplação atenta é um meio para construir condições para que o próximo agora seja melhor do que este, para si mesmo e para os demais.
Inúmeras são as descobertas que nos esperam se iniciarmos a aventura de descobrir o que o agora nos traz, momento a momento. Aqui entra um ponto quase paradoxal e muito bonito: essas habilidades de redirecionar a atenção para o agora são essencialmente focadas em contemplar o que é, e não em mudar as coisas, mas a partir delas é que a mudança acontece. À primeira vista, parece que uma não pode resultar na outra. Ocorre que, ao aprendermos a reconhecer quando estamos no presente, nos tornamos capazes de realmente entrar em cena em nossas próprias vidas, ou seja, da contemplação emergem as bases para a mudança, um instante por vez.