Pequenos Grandes Mestres

Esse é um texto inspirado na vivência diária que tenho com meus filhos e nas reflexões que teço a partir desse ponto de vista. Sinto que quanto mais posso aprender com eles mais perto estou da mãe, da terapeuta e da pessoa que eu gostaria de ser. Aprecio muito a ideia da igualdade na interação, e deixando um pouco de lado o contexto hierárquico existente, é nesse nível que as verdadeiras trocas ocorrem para mim. E me pergunto, o que esses pequenos têm para compartilhar comigo?

Meu filho menor tem dois anos. Corre, pula e diverte-se por onde passa. Volta e meia quando estamos na pracinha fico esperando para ver quando ele vai virar para me procurar, o que às vezes demora bastante (para minha frustração!). Entretanto, quando algo não vai bem, ele sabe exatamente para quem correr. Esses dias, depois de ter se machucado, ele me sinaliza ainda chorando: “ mamãe… cadeira… aqui ” e aponta para o canto do rostinho dolorido, me avisando do ocorrido.

Um gesto tão corriqueiro, mas de tanta clareza e coragem. Me ensina sobre poder atentar para as nossas próprias necessidades, poder expressá-las e ser acolhido pelo outro. Quantas vezes não sabemos o que dói? Estou cansada ou estou triste? O que mesmo estou precisando agora – é parar, descansar, desabafar com alguém? O que mesmo? Podemos ajudar as crianças a nomear e a fazer a conexão entre o que sentem e os símbolos da linguagem; na mesma medida em que eles nos ensinam a expressar o que sentem de forma absolutamente genuína e autêntica. E esse tato com as emoções é algo tão poderoso, tão importante… Perceber como sentimos as nossas emoções – onde no corpo, de que forma – é abrir espaço para aprendermos com nossas sensações e com o que elas nos comunicam a todo instante.

E como eu admiro esse foco na funcionalidade! Meu filho queria pegar um brinquedo na cômoda. Se espichou para ver se alcançava, mas não. Tentou pegar um banco, mas estava pesado e parou no meio do caminho. Vem correndo na minha direção, pega minha mão e me leva até o brinquedo. Tão simples. Fico aqui pensando quando estou com algum problema que precisa ser encarado, quantas barreiras se interpõem: “como vai ser?”, “o que vão pensar”, uma vontade imensa de escapar da minha ansiedade, vergonha ou de qualquer outra sensação mais desagradável. E quantas vezes tudo poderia ser tão mais simples se apenas ousássemos arriscar mais, imaginar menos, atentar para as consequências mais do que para as previsões hipotéticas. Aí percebo também o quão fundamental é persistir naquilo que realmente é valioso para nós (uma vez que conseguimos estar atentos!), mesmo na presença desses obstáculos internos imponentes.

Da mesma forma, me encanto com a expressão espontânea de afeto dos meus pequenos. Como é bom ser recebido com aqueles olhinhos no final de mais uma jornada de trabalho – ganho meu dia! Minha mais velha sempre me pergunta quem vai buscá-la na escola. Certo dia eu a indaguei sobre o porquê da pergunta e ela me disse que gosta de saber por quem deve esperar. Me enchi de orgulho, me senti amada, desejada, fazendo sentido para alguém.

Mario Cortella no livro “Viver em paz para morrer em paz” me intrigou com esse questionamento: se eu não existisse, que falta faria? Refletindo um pouco percebo que gostaria que minha falta fosse sentida pelas pessoas que amo. Não apenas porque sabem o quanto as amo e me importo, mas pelo que vivenciam comigo, pelo que sentem na pele. E novamente, isso me relembra da importância de demostrar ao outro o que ele significa – seja com um olhar, com um abraço, com uma escuta atenta…

Ao mesmo tempo, percebo que as crianças esperam o melhor de nós, sem saber. Na perspectiva deles, não estamos ali para resolver ou consertar nada. Elas apenas querem poder contar conosco. E quando crescemos, achamos que a mudança de contexto exige coisas diferentes – respostas, dinheiro, resolução, férias! Quando na verdade, na maioria das vezes, a mesma coisa nos conforta: nos sentirmos apoiados e amparados nas relações.

E é justamente o olhar atento e curioso que têm ao momento presente que me instiga no cultivo dessas relações. Meu pequeno atualmente tem parado para olhar as formigas. Ele me chama para observar, passa minutos ali intrigado com seus movimentos e direções. Me faz um convite para sair do meu mundo dos pensamentos e simplesmente pausar com ele e observar. Noto meus impulsos de seguir com as minhas coisas, e o desafio de notar normalmente me surpreende com sensações interessantes. Já a minha filha mais velha gosta de conversar sobre os dilemas existenciais. A última pergunta que te me feito é sobre pra que o mundo existe. E ficamos ali, conversando sem chegar a uma conclusão pelo simples prazer da partilha, do desafio, da companhia.

E esses simples atos me inspiram imensamente, me fazem prestar atenção nos detalhes que fazem TODA a diferença. Me permitem explorar novas perspectivas que meu olhar obstinado perde de vista. Trazem pro foco o essencial. Colocam em cheque minhas verdades. Me convidam a “apenas” seguir notando, sem julgamentos e tantas críticas; com mais doçura, leveza e amor.

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Sobre o Autor
Gabriela Damasceno

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