Abertura Radical e Anaïs Nin

Estou me preparando para contribuir com o primeiro seminário de treino de Terapia Comportamental Dialética de Abertura Radical, ou RODBT, dado no território brasileiro (nossos amigos da RODBT Brasil contribuíram com Thomas Lynch para legendar o curso dele online – mas o primeiro curso de fato dado aqui será este, no CEFI! Que orgulho).

Sempre que vou falar de RO DBT faço questão de reproduzir uma citação de Anaïs Nin (escritora francesa, 1903 – 1977), que é quase um slogan dessa abordagem:

“Não vemos o mundo como ele é – vemos o mundo como nós somos”.

Se essa frase não respinga contextualismo, acho que nenhuma outra poderia faze-lo. Não basta captar reflexos luminosos em nossas retinas – nosso histórico de aprendizado e mesmo histórico genético determinam muito da nossa experiência visual, por exemplo.

Resolvi ir atrás da origem!

A autora usou essa frase no seu livro “Sedução do Minotauro” (1961), ilustrando percepções distintas. A personagem Lillian e o personagem Jay caminham pela beira do Rio Sena, e Lillian fica chocada ao perceber o Rio “cintilante, sedoso e sinuoso”, em gritante contraste com a descrição de Jay, que vê o Rio “uma lama fermentada e opaca”. Também, em outra passagem, uma mulher desabrigada dorme na calçada em frente ao Panthéon, em Paris, e quando tentam ajudá-la, ela se recusa, dizendo “prefiro dormir aqui, onde todos grandes homens da França estão enterrados. Eles me acompanham e vigiam”.

Lillian se lembra, então, da frase acima, que seria de origem talmúdica.

O Talmud é uma coletânea de comentários sobre o Mishná, uma parte da cultura judaica que acompanha sua bíblia, todavia em tradição oral (tendo sido escrito somente no ano 200, muito depois da bíblia judaica – 600 AC – para finalidade de preservação).

O texto em questão trata de interpretação de sonhos. Em uma outra tradução, mais recente, se lê: “Rabino Samuel bar Nahmani disse que Rabino Yonatan disse: A uma pessoa é mostrado, em seu sonho, apenas os pensamentos do seu coração quando ele estava desperto”.

É interessante pensar sobre isso. Será que aquilo que vemos em um sonho é apenas um espelho de quem nós somos? E, equipada dessa percepção brilhante de uma autora francesa lendo uma tradução de um texto judaico ancestral (quem sabe apenas um trecho), será que mesmo o mundo que vemos não é apenas um espelho do que somos?

Será que podemos nos livrar de nós mesmos?

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Sobre o Autor
Emmanuel Kanter

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