Como você está se sentindo? – Cuidando de nós e cuidando dos outros

Nesse ano de 2024, o mês de maio foi marcado pelas enchentes que tomaram o estado do Rio Grande do Sul. Milhares de pessoas perderam suas casas, várias delas ainda não puderam voltar, pessoas e animais perderam as suas vidas. Todos que estavam em cidades atingidas foram impactos direta ou indiretamente. É uma catástrofe sem precedentes na nossa história. Como você está sendo impacto por isso?

Sim, você! Um fenômeno comum que observei nesse período foi muitas pessoas relatando uma sensação de culpa. Culpa por não ter tido sua casa inundada, por estar com água encanada em casa, por estar com bens materiais preservados, por não ter perdido ninguém por morte nessa catástrofe. Ou pessoas que passaram por alguma(s) dessas coisas que eu citei, mas também pensam “não posso reclamar disso porque tem gente que está pior”. Você experimenta ou experimentou isso?

Tomar perspectiva, ampliar a nossa visão, para reconhecer e validar a dor do outro é muito importante e nos torna mais humanos, mais conectados e mais compassivos. Querer tomar ações para, de alguma forma, aliviar um pouco a dor do outro, seja com dinheiro, doações, tempo ou com o seu trabalho, é um movimento muito digno. Mas é importante lembrar:  reconhecer a dor do outro e ajudá-lo não significa invalidar a sua própria dor. Ambas as dores são válidas, independentemente de quais sejam.

Validar a sua dor não significa deixar de reconhecer que, se você tivesse perdido outras coisas importantes para você, isso lhe estaria impactando de forma diferente ou pior. Não é porque poderia ser pior que a tristeza, medo, raiva, ou o que quer que você esteja sentindo agora não façam sentido. Quando negamos ou julgamos as nossas emoções e sensações, estabelecemos uma espécie de luta interna, em que notamos uma experiência e nos julgamos por estar experimentando aquilo, ou tentamos nos distrair para experimentar outro tipo de sensação, a qual julgamos ser mais adequada. Só que isso só nos desconecta do outro e de nós mesmos. Está tudo bem querer se desconectar de vez em quando, como se fossem férias breves dos problemas, mas esse não é um modo de viver sempre.

Outra experiência de culpa que observei nesse período foi relacionada às atividades de autocuidado ou lazer com a presença de julgamentos sobre, por exemplo, estar praticando atividade física, assistindo uma série ou curtindo um momento com a família. “Como eu vou ir na academia se tem gente que perdeu tudo?”, “como posso estar assistindo uma série agora se tem pessoas em abrigos longe das suas casas?”. Você experimenta ou experimentou algum desses julgamentos?

Esse momento que estamos vivendo me remete muito à teoria do luto, porque sim, estamos vivendo diferentes tipos de luto, de bens materiais que foram perdidos, de atividades planejadas que foram canceladas, comércios e empresas que foram fechados por tempo indeterminado, entes queridos e animais de estimação que morreram… um luto da cidade como conhecíamos e que nesse momento está com várias partes destruídas. Todos que estamos nas cidades atingidas estamos vivendo esse luto, em maior ou menor grau… então se permita sentir! Isso não lhe tornará menos compassivo com os outros, bem pelo contrário, deixará você mais conectado. Pois, para me conectar com outro, preciso estar conectado comigo mesmo.

Conectar-se consigo também irá lhe ajudar a perceber melhor as suas necessidades e se cuidar. Perceba como o ciclo do cuidado vai sendo reforçado e se ampliando: se eu cuidar melhor de mim, também poderei cuidar melhor do outro. Por outro lado, se só me sacrifico e deixo de atender às minhas necessidades, seja por ouvir os julgamentos da culpa ou por outra razão, acabo entrando em um estado de esgotamento e adoecendo. Por isso, olhe para si e se acolha, valide os seus sentimentos e se cuide para que você possa ser compassivo consigo mesmo e com os outros.

Para todos que estão aqui no sul, meu mais profundo carinho. Que possamos juntos e unidos enfrentar esse período difícil, com muita compreensão sobre o que acontece dentro da própria pele e com muita compaixão.

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Sobre o Autor
Mariana Sanseverino Dillenburg
Mariana Sanseverino Dillenburg - CRP 07/27708 Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS na área da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Possui treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo CEFI. Experiência com atendimen... ver mais

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