No contexto em que vivemos ainda paira no ar a velha ideia de que a pessoa só será feliz se tiver um relacionamento, ou pior, um relacionamento feliz. Sabemos que o que existe são relações de parceria, afeto, discussões, diferenças e sim, momentos felizes. Um aspecto essencial é saber que a outra pessoa não é responsável pela nossa felicidade, não se pode depender de outro para estar bem na vida. Diante disso, a Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT) organizou as Estratégias de Tolerância, dentre as quais estão as de Autocuidado como forma de cada pessoa organizar momentos de vida que lhe tragam satisfação e realização, para não sobrecarregar com muitas expectativas (irreais) o relacionamento conjugal, para não ficar na relação como numa postura de filho ou filha que depende totalmente da mãe ou do pai para sobreviver. Isso destrói relacionamentos.
Uma forma de promover o autocuidado é por meio da autocompaixão, descrita como consistindo em três componentes: benevolência consigo, humanidade comum e atenção plena ao que está acontecendo dentro da própria pele, quais pensamentos, emoções e sensações despertam no momento presente. Estudos mostram que a autocompaixão está relacionada a muitos aspectos diferentes de saúde mental, inclusive como prevenção da gravidade de uma depressão profunda e ansiedade (Neff, 2011).
Ao experimentar angústia, as pessoas podem exercer autocompaixão, oferecendo bondade para consigo mesmo, vendo seu próprio sofrimento como uma inevitável parte da condição humana, e ter uma consciência equilibrada de seus pensamentos e sentimentos negativos sem se identificar demais com estas emoções, permitindo uma visão com perspectiva sobre o que está ocorrendo. Em suma, Neff (2011) afirma que autocompaixão é quando as pessoas se consolam quando surgem experiências angustiantes, ao mesmo tempo em que reconhecem que o sofrimento faz parte da humanidade.
Sendo assim, a autocompaixão pode desempenhar um papel importante no bem-estar psicológico e qualidade de vida. Outro estudo demonstrou que os indivíduos com autocompaixão tendem a ter relacionamentos de confiança e apoio com os outros, seja de amizades ou relacionamentos românticos, e estas pessoas apresentavam comportamentos saudáveis, como por exemplo atuar de forma solidária, ser menos controladores ou agressivos com seus parceiros.
Existem várias razões pelas quais os indivíduos com altos níveis de autocompaixão podem ter relacionamentos românticos mais saudáveis: atendem às suas próprias necessidades em termos de gentileza e auto conforto. Por causa disso, esses indivíduos são capazes de equilibrar independência com conexão, características importantes para relacionamentos saudáveis.
Além disso, em tempos de dificuldade, a autocompaixão facilita os sentimentos de intimidade com os outros e proporciona boas habilidades de resolução de conflitos por causa de sua capacidade de ver o ponto de vista de seus parceiros durante desentendimentos e ver suas próprias dificuldades pessoais não como difíceis ou erradas, mas como parte de ser humano.
Tirch (2010) afirma que os indivíduos com autocompaixão têm uma mente atenta, uma resposta equilibrada ao sofrimento, sem ruminar sobre a dificuldade e não tentam evitar as emoções. Por causa de sua não crítica diante de pensamentos e emoções negativas, os indivíduos com altos níveis de autocompaixão podem ser mais propensos a trazer a mesma habilidade de atenção plena para resolver desacordos em seus relacionamentos.
Sendo assim, o autocuidado e autocompaixão podem desempenhar um papel importante na criação e manutenção de relacionamentos de alta qualidade. O convite é cuidar de si para, só então, cuidar da relação.
Referências
Christensen, A., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2020). Integrative Behavioral Couple Therapy: A Therapist’s Guide to Creating Acceptance and Change. Second Edition (English Edition). New York: Norton.
Lins, M. R. (2020). Terapia Comportamental Integrativa de Casal: a terapia de casal da abordagem contextual. In Cardoso, B & Paim, K. (Org.) Terapias Cognitivo-Comportamentais para casais e famílias: bases teóricas, pesquisas e intervenções. Novo Hamburgo, RS: Sinopys.
Neff, K. (2011). Self-Compassion: The Proven Power of Being Kind to Yoursel. UK: Hachette.
Tirch, D. (2010). Mindfulness as a Context Mindfulness as a Context for the Cultivation of Compassion. International Journal of Cognitive Therapy, 3(2), 113–123, 2010