Às vezes parece que a vida é uma ladeira abaixo. Quer dizer, algo assim. A gente nasce ‘inteirinho’ e vai seguindo nosso baile. Daí acontece uma série de coisas ruins – que, numa intensidade elevada, são traumas. E vamos ser diretos: ninguém passa pela vida sem isso. Daí duas coisas podem acontecer. A primeira é nós colocarmos isso na nossa bagagem emocional e vivermos um pouco pior em razão disso. Generalizamos este aprendizado para outros contextos, e nosso universo fica um pouquinho mais assustador, um pouquinho mais triste. E a outra é nós termos aquela palavra da moda, RESILIÊNCIA, e aguentamos mais esse tranco, e seguimos no nosso grau anterior de funcionalidade.
É meio sombrio pensar assim, não é?
E felizmente essa não é uma imagem completa.
As áreas da saúde, como sabemos, tem uma tendência irônica de ser, na verdade, áreas da doença. Então se estuda muito mais quando a coisa dá errado. Sabemos um bocado sobre o Transtorno do Estresse Pós Traumático. E isso nos confunde, porque quando sabemos muito de algo e pouco de outra coisa, temos o viés de achar que a coisa que sabemos muito é grande e a coisa que sabemos pouco é pequena.
Pesquisas têm mostrado, porém, que quase 90% das pessoas que passam por um episódio traumático tem algo oposto a um adoecimento ou sequer uma tolerância – um crescimento. Uma perspectiva nova sobre a vida, uma apreciação diferente de coisas positivas, uma reconexão com seus valores. A ciência tem apontado na direção de maior otimismo, maior valorização das conexões de suporte social e mesmo ampliação dessa via aumento de orientação interpessoal e comportamentos pró-sociais.
Esse crescimento, claro, não tem conexão direta com o evento traumático. Sofrer um trauma não é uma experiência enriquecedora. A maneira como a pessoa confronta a nova realidade, isso sim pode ser modificador.
Alguns fatores parecem estar relacionados com a capacidade de crescimento pós traumático:
Uma capacidade de aceitação da sua situação atual – lembrando que aceitar não significa achar bom, bonito, desejável. É apenas não brigar com a realidade, inclusive para poder se organizar melhor frente às suas demandas!
Suporte social de boa qualidade, não necessariamente resolutivo e certamente não julgador, apenas acolhedor da situação emocional trazida pela pessoa que vivenciou a situação difícil.
Amarrado a isso, a oportunidade de ter pessoas para com quem dividir, de maneira aberta, as experiências e o sentido que isso tem, como foi subjetivizada, também está relacionada a este crescimento.
É frequente que vejamos a espiritualidade como fator protetor de diversos comportamentos prejudiciais e neste caso não é diferente. Pelo contrário, antes de a psicologia científica se ocupar de estudar o crescimento pós traumático, a sabedoria e conhecimento de diversas tradições espirituais já discursavam sobre isso através dos tempos!
Quando observamos a conexão com suporte com pessoas importantes e aceitação, não grita ACT dentro da nossa cabeça? Não grita flexibilidade psicológica?
Por outro lado, a característica denominada neuroticismo – uma tendência a responder com sentimentos e pensamentos mais fortemente negativos a estímulos que considera ameaçadores, perdas e frustrações – parece estar inversamente relacionada ao crescimento pós-trauma.
Incidentalmente, é uma característica bastante comum da inflexibilidade psicológica.
Não estamos falando de coisas diferentes aqui, como ACT sendo um tratamento para pessoas que sofrem trauma poderem ter um tipo de crescimento. E sim que as dimensões da experiência humana que valorizamos são as mesmas:
Estar aberto à experiência, presente no momento e comprometido com os valores e as pessoas que nos são caros.
É assim que sugerimos viver, nos momentos bons… e nos momentos extremamente difíceis que, certa e infelizmente, virão.