Quem me conhece mais de pertinho sabe o quanto ser mãe sempre foi um valor na minha vida. O quanto o medo de não ser mãe era presente e me assombrava. O quanto já era / sou realizada profissionalmente. Por muitos anos, saía de casa 7:30 da manhã e chegava 23h, e neste tempo eu e o meu sonho da maternidade se perguntavam: que horas você vai ser mãe? Como isso vai funcionar? Nos últimos 2 anos minha vida profissional mudou bastante e passei a ter mais autonomia sobre minha agenda de trabalho. Aquela agenda de 3 turnos me realizava, eu confesso, mas era incompatível com a “agenda afetiva da maternidade”.
Hoje, mãe, meu “eu mãe” observa cada movimento da nossa pequena grande Júlia. Tenta ler cada som, cada chorinho. Decifrar cada necessidade dela. Tenta retirar um “sorriso banguela” e a cada um deles tem-se um coração que transborda. E como transborda.
Um bebê nos conecta com o momento presente. A pele, o olhar, o cheirinho, os sons. A mente quando entra em cena me leva pra longe, para o que tenho que fazer, o que devo acertar, tudo o que preciso “dar conta”. Me leva para a agenda de tarefas. Quando me percebo nela, tento voltar para o aqui e agora, para a Júlia. Capturar cada expressãozinha dela, cada som, guardar a imagem do vivido e do sentido no meu corpo e na minha memória.
São paradoxos que se colocam. Como “eu mãe” por vezes me noto querendo fotografar momentos, para guardá-los, para relembrá-los, para não esquecê-los. Daí, percebo que fazer isso me afasta do momento, e que posso registrá-lo em mim através da atenção plena ali colocada, valiosamente.
Acho que é um pouco do que vivemos hoje. Me pego pensando no último grande show que fui, onde tirei uma ou outra foto para ter os registros “físicos” e guardei o celular para desfrutar daquele momento o mais inteira possível. Era o show do Cold Play, um show que eu sempre quis ver. A maternidade eu sempre quis viver e é tão, mas tão preciosa que o meu desejo de não perder nada me faz perder um pouco.
A reflexão deste texto dialoga com conceitos de atenção plena, momento presente, abertura, fusão cognitiva, eu conceito e outros propostos pela Terapia de Aceitação e Compromisso de Steven Hayes.
Que a gente consiga experienciar e fotografar com os “olhos do coração” os momentos preciosos em que nossos valores de vida estão sendo “tocados”.