É a semana 24. Semana 24 do que?
Da formação de uma vida.
Do desenvolvimento de um bebê.
Da preparação de uma mãe, de um pai?
Do gestar.
Do descobrir-se duas em uma.
Do respirar mais ofegante.
Do maior milagre da natureza.
Do constante desenvolver de uma vida.
24 semanas de um sonho que vem crescendo dentro de mim.
Como definir “a ‘semana 24’ de uma gestação”? Falar deste fenômeno ou desta experiência é…. desafiador? nunca suficiente? indescritível? Faltam-me as palavras. Minha mente só me diz que nenhuma das explicações é suficiente, que nenhuma destas palavras consegue expressar o que se passa por aqui. Agora minha mente me pergunta: Serão minhas altas expectativas falando dentro de mim? Será minha cobrança comigo que me faz dizer que não encontro as palavras? Acho que não.. não é a cobrança.. eu não encontro mesmo e não espero encontrar.
Lançando mão da ACT – Terapia de Aceitação e Compromisso de Steven Hayes, falar de um fenômeno talvez seja como falar de algo “de fora”, como quem busca conteúdo, busca uma história… falar mantendo uma distância mas não aquela distância saudável que chamamos de “desfusão” e que tanto tentamos desenvolver nos pacientes neste tipo de psicoterapia. Desfusão tem a ver com olhar nossas próprias experiências internas, sejam emoções, pensamentos, sensações com certa perspectiva, com certa distância, daquele jeitinho que sabemos que são nossas, que nos pertencem, mas não nos definem. É libertador. Falar do gestar como uma experiência parece-me falar mais de um contato com o momento presente, de uma atenção ao que se nota em si, vivendo o que quer se seja, neste caso, a gestação. São dois dos processos de flexibilidade psicológica que buscamos desenvolver nos pacientes em psicoterapia: desfusão e momento presente.
Minha filha. Já me ajudas aí de dentro. Quando paro para te notar, para observar os teus movimentos, minha filha. Quando sinto teus ‘petelecos’ tão suaves ou os ‘tremiliques’ que a barriga da mamãe dá, eu já me noto sorrindo sozinha. És tu ajudando a mim a manter a atenção no momento presente, no aqui e no agora. Só que junto, a minha mente aqui já está me dizendo “Martha, não coloque expectativas na menina, ela não está vindo para te ajudar em nada”. Que coisa né, filha, esta mente auto julgadora da mamãe. Espero te dar um exemplo diferente, filha. Por que eu também sei ser bem autocompassiva comigo, com os outros, e tomara que eu possa te ensinar isto mais do que julgar, por que sim, nossas mentes julgam, são muito boas nisso. Agora minha mente foi lá para o futuro. Notaram? Já saiu do aqui e do agora dos ‘petelecos’ na barriga, e assim é. A mente vai e volta, nos tira daqui e quando notamos, voltamos de novo. Notar o corpo ajuda a voltar para o aqui e agora.
Somos seres racionais e pensar tanto nos ajudou e nos ajuda um bocado. Cada coisa no seu tempo. Tudo tem uma função e um para que nesta vida. Minha mente que diz “Martha, não coloque expectativas na menina, ela não está vindo para te ajudar em nada” pode estar me lembrando de um valor, de muitos valores que eu tenho como pessoa e que quero poder construir como mãe: liberdade e autonomia para ela – que ela possa fazer as escolhas que a levem para a vida que desejar viver, não para a vida que busque atender às minhas expectativas ou as de qualquer outra pessoa. E aí estamos falando de um terceiro processo de flexibilidade que a ACT propõe, que são os valores.
Desejo poder ensinar a ela, hoje minha pequena Júlia de 24 semanas, que vai sentir muitas emoções nesta vida: aquelas gostosas de sentir, como ‘borboletas no estômago’, amor, alegria e outras coisas que nos fazem sorrir sozinhos (como você já faz comigo, filhota), e que também vai experimentar emoções bem chatas de experimentar, como raiva, tristeza e medo, e que está tudo bem sentir tudo isso. Todas as emoções têm funções, nos comunicam coisas, e o nosso desafio é ter abertura para sentir o que quer que estivermos sentindo. É o que em Terapia de Aceitação e Compromisso, chamamos de aceitação, mais um dos processos de flexibilidade psicológica.
Que a Júlia possa saber que ela é maior do que qualquer pensamento que tenha sobre si mesma, maior do que qualquer coisa que ela sinta (processo do eu como contexto), e que ela caminhe na direção do que realmente tem valor e significado para ela (processo de ação com compromisso).
Eu vou estar sempre aqui e sempre lá para você.