O que fazer com o medo?

“E agora? O que vai acontecer?”

Isso tem se passado na sua cabeça? Nos últimos três meses, inúmeras vezes me perguntei sobre o que será do futuro. Imagino que este é um questionamento inevitável, que ronda os pensamentos de muitos de nós. E este futuro tão incerto pode vir carregado de muito medo, afinal, os números e os fatos são realmente alarmantes e tristes. E não basta a realidade ser dura, a criatividade da mente humana é larga, temos uma incrível capacidade de catastrofizar os problemas e deixá-los ainda pior. 

Mas o que acontece com o ser humano quando vive uma situação como esta que estamos vivendo?

Bem, vamos compreender o que se passa quando estamos frente a uma ameaça que traz medo. Quando o medo chega – e pode chegar de forma rasteira, apenas em forma de questionamentos sobre o amanhã – automaticamente nos armamos. Cada um, do seu jeito, ativa as suas defesas sem nem precisar raciocinar, nosso instinto de sobrevivência é mais forte do que qualquer outra coisa quando surge uma ameaça. O interessante é que podemos nem saber qual é a ameaça presente, pois uma resposta emocional (como a do medo) é ativada rapidamente em todo o nosso sistema sem nos dar tempo de percebê-la chegando. E nessa velocidade quase que inalcançável que nosso organismo reage, resgatamos reações, por vezes tão primitivas, tão antigas, que até parecemos ser crianças novamente. Quanto maior o medo, maior é a ativação no nosso corpo, que se prepara para lutar ou fugir e às vezes congelar. Por vezes puxamos do baú umas estratégias de enfrentamento que vêm com uma sensação de estarmos regredindo, pois nos vemos fazendo, pensando ou falando coisas que não faziam mais parte de nós. É quando pensamos “nossa, achei que eu já tinha superado essa” ou “achei que eu já tinha passado dessa fase”, sabe? Isso me aconteceu. 

Pois bem, frente a uma ameaça que dispara medo, o corpo enrijece, a face tensiona, o coração acelera. As dores começam a aparecer. O que você faz depois disso, você mesmo deve saber. Mas espera, o que está acontecendo? Às vezes nem sabermos ao que estamos reagindo, o porquê estamos daquele jeito. Não compreender algo é angustiante para o ser humano, traz um senso de estarmos errados, e isso pode ser o convite para iniciarmos uma luta contra nós mesmos, em que a autocrítica é a nossa arma mais potente.

O que estou narrando aqui, não acontece apenas em uma pandemia, poderia acontecer frente a qualquer situação em que, um dia, nos deparássemos com algo desconhecido, ou frente a algo que um dia já causou muita dor. 

O fato é que agora estamos vivendo, explicitamente, um cenário atual e futuro desconhecido (que já ganhou até nome, o “novo normal”, e isso “ajuda” a ser menos desconhecido e assustador para alguns). Além disso, para muitos, sofrimentos passados estão sendo relembrados com os tantos desafios que estão surgindo: lutos, perdas, dificuldades, conflitos, enfim, são vários gatilhos. Eu diria que é difícil passar ileso dessa, digo, sem sentir nem que seja um medinho. Embora, se estivermos um tanto desconectados do que está acontecendo, talvez se tenha a sensação de não sentir nada. E, muitas vezes, essa é uma das reações mais automáticas quando algo superdifícil acontece, querer se desconectar de tudo, para não se deparar com o que há de ser enfrentado. Só que não conseguimos viver desconectados por muito tempo, pois a realidade não deixa de existir e nela estamos.

Seja querendo fugir, se revoltar e lutar ou travar, o padrão automático virá naturalmente quando nos depararmos com o que não queremos. Especialmente se não aprendemos ao longo da vida formas variadas de lidarmos com o que nos afronta, é útil sabermos o que podemos fazer para encarar o medo. Por isso, trago aquilo que tenho sentido ser o mais efetivo para mim, mas não o mais fácil (preciso constantemente e intencionalmente me lembrar dessas orientações). 

Para lidarmos com o medo, não é contra ele que devemos lutar. Bem pelo contrário, quando percebermos ele chegando, podemos deixar ele entrar, deixá-lo se acomodar e, aos poucos senti-lo amolecer dentro de nós. Não estou falando que devemos ser fracos, amar os problemas, se render aos fatos dolorosos que nos acarretam dor e ficarmos passivos frente ao que nos assusta ou revolta. Os problemas e fatos podem e, em muitos casos, devem ser enfrentados e resolvidos, sim! Nosso desafio é aprender a dar boas vindas às nossas reações, aos nossos sentimentos e sensações. Para criar um ambiente de conforto dentro de nós mesmos podemos respirar fundo, abandonar os “deverias” que a mente traz, buscar  aconchego de alguma forma que não nos traga culpa logo após. Podemos encontrar algo (um gesto, postura ou palavras) que remeta à sensação de colo, onde tudo fica mais calmo e claro, onde há uma sensação de alívio leve e onde conseguimos usar a razão para lidar com as dificuldades. E esse clima de conforto e calmaria interno pode nos dar a força, tão necessária, para encarar a dureza da vida. Esta pode ser uma forma de renovarmos nossa disposição para seguir em frente, e no final do dia, talvez cansados de enfrentar as dificuldades, ter a sensação de estar vivendo.

Enquanto eu escrevia esse texto, resgatei uma memória bem antiga minha de quando era criança. Lembrei que, quando eu ia rezar antes de dormir – e eu fazia isso só quando eu estava com medo – a única coisa que eu identificava que eu precisava pedir a Deus era para eu ter força. Se você tem ouvido por aí “não tenha medo”, eu te falo: tenha coragem. Coragem para sentir, coragem para acolher, coragem para enfrentar. Se agirmos com coragem e com consciência, isso logo vai passar.  

 

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Sobre o Autor
Maria Eduarda D. de Alencastro

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