De um modo geral, em nossa cultura ocidental, a ideia de felicidade está associada a imagens de satisfação irrestrita e ininterrupta, sem dores, sem dúvidas, frustrações, raiva, tristeza e todo o pacote de sentimentos que consideramos como negativos. Essa ideia é difundida das mais variadas formas: desde a mensagem implícita que é passada pelo desconforto dos adultos frente à criança que chora, até o bombardeio diário de promessas de felicidade plena feito pela publicidade, pelo cinema e pela televisão, passando, ainda, por drogas e terapêuticas desenvolvidas para neutralizar os maus sentimentos e pensamentos em nossas vidas.
Acreditamos que ser feliz é não sentir as dores da vida, e o tempo todo nos são oferecidos meios para alcançar essa felicidade. O problema é que nunca a alcançamos. E quando tropeçamos e nos deparamos com a dor, imediatamente interpretamos esse encontro como um sinal de que estamos no caminho errado. As dores da vida são vistas como falhas, como sinais claros de que estamos fazendo algo errado com nossas vidas, e esses julgamentos, numa condição de rigidez psicológica, são tomados como absolutamente verdadeiros.
Ao nos apercebermos disso, sentimos ainda mais dor. Entramos na roda do sofrimento: quando podemos, tentamos combater essas dores com os meios que estão ao nosso alcance, sejam eles distrações, drogas, diálogos internos intermináveis sobre as causas do que sentimos ou a criação de soluções imaginárias. São muitos os jeitos de fazer sumir a dor e, de modo geral, eles envolvem um engajamento em atividades que tragam satisfação imediata e alívio – até que as emoções negativas apareçam de novo. Na realidade, trata-se de um arranjo que muitas vezes funciona! De um modo geral, as pessoas conseguem regular suas emoções razoavelmente bem, mantendo-se no caminho da felicidade por um bom tempo. O problema com essa definição de felicidade na qual a ausência de dores e pesares está implícita é que, a cada reiteração daquele ciclo de combate às emoções negativas, ficamos mais presos ao próprio ciclo, já que ele está funcionando.
Acontece, porém, que na vida de muitas pessoas chega um momento que suas estratégias param de funcionar. Pode ser porque as emoções são intensas demais, porque se esgotaram as forças, porque os recursos que eram necessários já não estão ao alcance, dentre muitos outros contextos. Pode ocorrer também de percebermos que, mesmo sem dores, algo ainda falta, mas não se sabe o quê, e então o conceito de felicidade perde seu sentido, assim como todo o esforço empregado na busca dessa felicidade que se desfaz ao ser tocada. Ficamos em um vazio existencial, considerando que tudo o que foi feito não levou a lugar algum, e sem saber o que fazer que não seja aquela velha busca pela felicidade como se a conhece.
Esse é o problema de uma definição de felicidade que exclui a dor e as emoções negativas: ela facilmente nos leva a dedicar nossas vidas à construção de estratégias de evitação da dor que são como castelos de areia que as ondas vão levar. Não há constância possível nessa felicidade. E, nessa perpétua fuga, sofremos toda vez que nos vemos falhando, ou sofremos com o tédio de viver fugindo da mesma coisa dos mesmos jeitos.
E o que fazer com isso? Uma possibilidade é aceitar essa condição e seguir buscando estratégias e recursos cada vez mais eficazes para afastar as dores e regular as emoções. Sim, essa é uma resposta possível, e outras mais devem haver, mas a mim parece mais interessante a alternativa de opor resistência ao conceito de felicidade que nos é vendido.
Desde a perspectiva proposta pelas terapias comportamentais contextuais, a felicidade não exige ausência de dores ou de más emoções e maus pensamentos; ela envolve uma abertura a experimentar uma imensa gama de emoções humanas enquanto se age no mundo conforme os próprios valores. Nesse sentido, experimentar a dor e aceitá-la como parte da experiência é um caminho para não transformá-la em sofrimento sem fim. A felicidade, então, adviria da consciência de se estar concretizando as próprias aspirações e potencialidades. E isso é diferente de sentir-se bem no momento. As coisas importantes na vida nos trazem muitas sensações desagradáveis, assim como trazem sensações boas e prazerosas também. A vida é difícil e desafiadora, e se não estamos alegres não significa que tem algo de errado conosco.
Entendo que resistir à felicidade que faz sofrer é, como psicoterapeuta, renunciar ao lugar de fornecedor de curas para as dores e, em vez disso, acompanhar com compaixão o caminhar de alguém que também se abriu para viver a plenitude da vida – dores e belezas incluídas. É também oferecer-se como um parceiro na construção de caminhos novos que valham ser trilhados.
* Agradecimento especial ao meu colega Lucas Schuster, autor principal desse texto, gentilmente compartilhado para ser divulgado por aqui 😉