Estava conversando com uma nutricionista esses tempos e ela me apresentava um ponto que lhe incomodava: suas colegas de profissão que estavam acima do peso, tinham espinhas no rosto e que atendiam e prescreviam um plano alimentar para seus pacientes que elas próprias pareciam não seguir por terem essas características mencionadas. Não concordei muito com esse ponto de vista (não que ele esteja errado, é apenas diferente do meu). Mas não estava muito claro para mim o que havia me incomodado, então refleti sobre o assunto pensando também no nosso contexto na Psicologia.
Uma verdade para mim, que eu tirei desse argumento, é: escolho profissionais que aplicam em suas vidas o que eles aplicam em seus clientes porque isso me traz mais confiança em seu trabalho. Como vou vender um produto defendendo que poderá beneficiar a pessoa e melhorar sua qualidade de vida se eu própria não o utilizo?
Contudo ainda me causa um incômodo esse argumento porque me passa uma ideia de uma nutricionista magra e com uma pele de bebê (deixando bem claro que não foi isso que ela me falou nessa conversa, mas foi a imagem que veio na minha mente e refleti em cima disso). Primeiro que essa ideia talvez perca um pouco do contexto, o biotipo da pessoa pode influenciar para que ela tenha um tipo ou outro de corpo, e as espinhas podem surgir por fatores outros que vão além de somente a alimentação, etc. Segundo que os contextos também mudam ao longo do tempo, posso ter um momento na minha vida de maior estresse que interfira na minha alimentação e saúde da minha pele.
O mesmo ocorre para nós psicólogos, e às vezes caímos no discurso de que um psicólogo não pode ter depressão, ansiedade, problemas com raiva, entre outros porque como ele vai tratar outras pessoas se ele próprio tem problemas com isso? Talvez não apareça dessa forma, mas quem nunca escutou: “Como que ela vai ser psicóloga se ela é tão ansiosa?”, “Ele é louco, como vai tratar outras pessoas?” ou coisas do gênero. O melhor desses que talvez a maioria tenha escutado em algum momento durante um conflito familiar: “Como é que pode ser psicólogo se é tão irritado?” ou “Tu fala assim com os teus pacientes também?” (em tom pejorativo).
Por isso vim trazer uma novidade para vocês: PSICÓLOGOS SENTEM RAIVA! E tristeza, medo, alegria, amor, vergonha, ciúmes e toda a paleta de emoções. Psicólogos têm transtornos de ansiedade, transtornos depressivos, transtornos de personalidade, etc. Descoberta legal, né? Pode ser que essa liberação para sentirmos tudo isso nos tire de um embate de sermos psicólogos super bem resolvidos com a vida. Além disso, justamente por sentirmos tudo isso e sofrermos, que nos permite conectar com nossos clientes e com o sofrimento deles. A definição de empatia nos diz que para me conectar com algo difícil e sofrido no outro, preciso me conectar com algo difícil e sofrido em mim e só posso fazer isso se eu também sofro. Steven Hayes sofreu com crises de pânico por vários anos de sua vida e criou a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) que tem evidências para tratamento de transtornos ansiosos, onde se inclui transtorno do pânico. Marsha Linehan teve um diagnóstico de Transtorno de Personalidade Borderline e por sua experiência que incluíram diversas internações e tentativas de suicídio, se deu conta de que os tratamentos disponíveis não davam conta dessa população, portanto ela desenvolveu a Terapia Comportamental Dialética para pessoas com desregulação emocional.
A nossa experiência e o nosso sofrimento podem ser uma poderosa ferramenta de trabalho porque nos conecta com nossos clientes, afinal, nós passamos por isso também e justamente por isso que acreditamos no método que estamos empregando. Tem um ditado que diz: casa de ferreiro, espeto de pau. E tá tudo bem que o ferreiro também tenha espeto de pau, além dos espetos de ferro, isso não desqualifica o trabalho do ferreiro, só mostra que ele é parecido com seus clientes. Afinal, somos todos farinha do mesmo saco e isso que nos une como seres humanos e nos permite fazer um trabalho melhor com nossos clientes.