Afinal, o que fica de tudo isto?

O coração aperta, angustiado. O peito dói. Uma dor daquelas emocionais, que alongamentos físicos ou remédios não aliviam. O peito arde das perdas, das incertezas, dos medos que me assombram. Respirar profundamente, meditar, sentir o peito apertado em silêncio talvez confortasse este coração que arde. Mas agora eu simplesmente não consigo. Quem sabe depois. Caminhar ao ar livre sempre me ajuda. Mas hoje senti frio e não consegui. À noite, vou buscar algum “respiro” como aquele que o calor do sol na pele me traz. Quem sabe eu consiga. 

Minha mente está tentando “localizar” de onde vem este aperto. Ela se pergunta: porque está tão forte hoje? E, claro, ela encontra algumas explicações: aniversariamos 1 ano Pandemia por aqui. Minha amiga mais antiga da vida, grávida de 7 meses, perdeu a sogra e o pai num intervalo de 10 dias. Meu amor perdeu um grande tio e nossa família perdeu uma tia-avó muito querida para covid neste final de semana. A coisa está preta, todo mundo sabe disto, ou pelo menos seria bom que assim fosse.

Tentando organizar este contexto recém posto: O PONTO 1 é que a dor está aqui. O PONTO 2 é que tentar buscar explicações para ela talvez não tenha muita utilidade. O PONTO 3 é que está sendo difícil acolher e dar espaço para a dor. O PONTO 4 é que estou tentando acolher o meu “não conseguir acolher”, e o PONTO 5 é que vou tentar fazer o melhor que eu posso ainda hoje, mesmo que este melhor ainda não seja o meu tudo. De novo, acolher o “não conseguir” já é acolher, e voltamos a PONTO 4. 

Se buscar explicações não é muito útil, como lidar com tudo isto? O caminho passa por dar abertura para aquilo que dói, por acolher o que é duro demais e não temos como mudar. Passa por dar sentido à dor reconhecendo tudo o que aquele que partiu foi e representa para nós. Passa por notar a presença deste outro, agora ausente, dentro de nós em forma de amor. 

Eu aprendo muito com esta minha amiga que perdeu o pai e a sogra. Ela tem uma capacidade de sofrer e de ainda assim seguir em frente que eu sempre admirei. Que pessoa. Isto, em ACT, se nomeia “ação comprometida” , ou seja, aquelas coisas que fazemos por que são importantes para nós, mesmo na presença de obstáculos internos, como tristeza e dor neste caso. 

Ela tem uma facilidade de identificar o que é importante para ela. Ela sabe o que quer, a direção da vida dela. Em ACT, nomeia-se “clareza de valores”, que são aquelas direções de vida valiosas, reforçadoras, que dão sentido à nossa vida. 

Ela sabe estar presente. É daquelas que deixa o celular na bolsa para tomarmos um café ou almoçarmos juntas (agora que é mãe, ele saiu da bolsa, mas ela segue ali comigo, “presença presente” que é o mais precioso). Este “estar presente” chama-se estar Mindfulness, que passa por uma conexão verdadeira com a experiência do aqui e do agora. 

Este texto fala de dor, de abertura para ela, de autocompaixão com o que sentimos, com o que conseguimos e com o que não conseguimos fazer. 

Fala de alguns dos processos da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), que saíram tão espontaneamente aqui pensando na minha amiga de infância.

Fecho este texto com uma última lição que têm batido à minha porta junto aos últimos acontecimentos: Afinal, o que fica de tudo isso? 

A resposta (para mim) é: o amor e as experiências compartilhadas.  

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Sobre o Autor
Martha Wallig Brusius Ludwig
Martha Wallig Brusius Ludwig CRP 07/13821 Psicóloga graduada pela Pucrs. Atua como psicoterapeuta individual na clínica há 15 anos. Trabalha com capacitação e supervisão de profissionais da saúde (nutrição, enfermagem, psicologia) para melhorar motivação e adesão a novos comportamentos, assim como com orientação de grupos de treino de pais. Atuação com grupos interdisciplinares de mudança do e... ver mais

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