Lidando com a imprevisibilidade

Até ontem eu já tinha decidido sobre o que eu gostaria de escrever no blog dessa semana. Já tinha estruturado o texto na minha cabeça e só faltava colocar no papel. Mas aí a vida aconteceu. Para ser mais descritiva, quando digo a vida, me refiro àquela qualidade tão excitante e ao mesmo tempo tão assustadora que ela tem… a imprevisibilidade. Um parente querido que morre, o diagnóstico de uma doença grave, a perda de algo importante, etc. Felizmente não foi nenhuma dessas coisas que aconteceu, mas a imprevisibilidade pode ser atribuída a qualquer situação que não estávamos esperando. Se eu planejo fazer uma trilha de manhã e ocorre uma chuva muito forte que não estava na previsão do tempo, interditando todo caminho da trilha, a imprevisibilidade muda meus planos. Ela faz parte do nosso dia-a-dia, quando estou escutando o rádio e começa a tocar uma música que me traz memórias muito felizes, fazendo com que eu fique alegre naquele momento, a imprevisibilidade está aí, pois eu não estava esperando aquilo. 

Dependendo da situação que ocorre e que eu não estava esperando, isso vai desencadear uma reação em mim que pode ser agradável, neutra ou desagradável. Ontem me deparei com uma situação que eu não estava esperando e que me causou uma reação emocional bem desagradável. Portanto, resolvi usar meu espaço no blog de hoje para compartilhar a habilidade que eu usei e que foi bem útil para mim. Acho importante frisar que eu busco aqui apresentar uma habilidade que foi útil para essa experiência que eu vivi, não significa que ela seja útil para todas as situações ou que só ela seja suficiente. Mas vou compartilhá-la caso possa ser útil para mais alguém. 

Quando vivemos uma situação que desencadeia uma reação emocional mais intensa, é mais fácil entrarmos na mente emocional, ou seja agirmos mais no impulso das nossas emoções. O problema com isso é que é possível que estejamos agindo com o óculos das emoções e não olhando os fatos em si. Foi assim que eu me notei ontem, comecei a notar pensamentos como “Agora está tudo perdido”, “não tem conserto”. Esses pensamentos são pensamentos julgadores e não descritivos. Pensamentos julgadores são aqueles que fazem interpretações ou avaliações sobre os fatos. Já os pensamentos descritivos são aqueles que descrevem os fatos tal como eles aconteceram. É como seu eu pudesse observar uma cena por uma câmera, e todos que observam essa cena podem fazer o mesmo relato do que viram, isso são os fatos. Como eu sabia que esses pensamentos que eu notei em mim ontem eram julgamentos? Porque não estava TUDO perdido, para TUDO estar perdido eu teria que ter perdido absolutamente TUDO que eu tenho. E para não ter conserto eu precisaria ter testado todas as possíveis soluções para chegar nessa conclusão. Nenhum dos dois pensamentos correspondia aos fatos. Qual era o problema com esses pensamentos? Eles estavam deixando a minha emoção mais intensa, então resolvi fazer algo diferente.

Há uma habilidade que usamos bastante nas Terapias Comportamentais Contextuais que é chamada de descrever os fatos. Descrever os fatos é bem o que estávamos falando anteriormente, poder descrever nossa experiência como se estivéssemos olhando ela por uma câmera. Uma dica para usar essa habilidade é ter em mente os seguintes componentes: quem, onde, o que. Por exemplo, se olhamos a imagem abaixo:

 

 

Talvez eu possa dizer: é um homem irritado. Acontece que irritado não é uma descrição, é uma interpretação que eu fiz da imagem, eu não consigo VER a irritação. Uma forma descritiva poderia ser: é um homem com barba, a boca está fechada e apertada, os olhos e a testa estão franzidas. Posso inclusive colocar os meus julgamentos ou interpretações na minha descrição desde que eu os descreva pelo o que eles são, no exemplo da minha descrição anterior ficaria: é um homem com barba, a boca está fechada e apertada, os olhos e a testa estão franzidas, me dá a impressão de que ele está irritado. Aqui eu coloco o meu julgamento sinalizando que é uma interpretação que eu fiz e não os fatos. A descrição dos fatos pode ajudar a baixar a intensidade emocional, pode trazer uma nova perspectiva para a situação e pode ajudar a não se engajar em ações baseadas nos seus julgamentos, mas sim, baseada nos fatos. E é importante lembrar que os nossos julgamentos podem não condizer com os fatos. Na página seguinte podemos ver a imagem inteira de onde  a primeira foi recortada:

 

 

Assim como na foto, que não se tratava de um homem irritado, mas sim de um homem fazendo força para levantar pesos, na vida, muitas vezes as coisas não são como parecem. Por isso usar habilidades como essa pode nos ajudar a tomar um pouco de distância da situação e olhá-la de uma perspectiva diferente que pode fazer uma grande diferença no que estamos sentindo. 

Ontem quando eu notei pensando: “Agora está tudo perdido”, “não tem conserto”, eu parei, percebi isso e comecei a descrever a situação para mim mesma: onde eu estava, quem estava ali, o que eu estava falando e fazendo, o que as outras pessoas estavam falando e fazendo. E isso me ajudou a não me perder dentro da minha mente emocional e piorar as coisas. Enfim, espero que tenha sido útil para vocês. Até o próximo texto!

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Sobre o Autor
Mariana Sanseverino Dillenburg
Mariana Sanseverino Dillenburg - CRP 07/27708 Psicóloga graduada pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Mestre em Psicologia Clínica pela PUCRS na área da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT). Especialista em Terapias Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Possui treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) pelo CEFI. Experiência com atendimen... ver mais

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